sábado, 11 de julho de 2015

Os gregos contra os bárbaros: Leônidas luta nas Termópilas




Numa época em que alguns acham que se vender e aderir ao inimigo é a “única” alternativa – sobretudo se estão no governo – é muito inspiradora a descrição que Heródoto fez da batalha das Termópilas. Sobretudo quando a Grécia outra vez se destaca entre as nações por não se submeter, por dizer não, por rejeitar a covardia, a pusilanimidade, o espírito de lacaio.
Acontecida durante a Segunda Guerra Persa (ou Segunda Guerra Médica), a batalha das Termópilas foi o confronto entre as tropas comandadas por Leônidas, rei de Esparta, e as tropas do imperador persa, Xerxes, no ano 480 antes de Cristo.
Os gregos, apesar da inferioridade de forças, venceram a guerra. Mas tal não conseguiriam sem o episódio das Termópilas. Esta batalha definiu o restante da guerra – a atitude dos gregos diante da invasão - até as vitórias em Salamina (também em 480 a.C.) e Plateia (479 a.C.).
Ao começo da batalha, Xerxes intimou Leônidas e seus comandados a entregar suas armas, diante da superioridade das forças persas. A resposta de Leônidas foi: “venham buscá-las”. Essa frase está hoje no monumento à batalha, inaugurado pelos gregos em 1955.
Heródoto (também chamado Heródoto de Halicarnasso, sua cidade natal) foi o primeiro historiador – em verdade, o fundador da historiografia – da civilização ocidental. Seu relato foi produzido a partir de suas pesquisas e encontra-se no Livro VII de suas “Histórias”. Na condensação que publicamos a seguir, utilizamos a versão em português de Brito Broca, realizada a partir da famosa tradução, do grego antigo para o francês, de Pierre-Henri Larcher, publicada em 1786.
Alguns termos ou expressões merecem esclarecimento: a Festa das Cárnias era uma celebração espartana de nove dias em honra de Apolo; os medos constituíam um povo aparentado com os antigos persas – ou, pelo menos, era a visão que os gregos tinham deles; a palavra lacedemônios, empregada por Heródoto como sinônimo de espartanos, designa os naturais da Lacedemônia (ou Lacônia), região que tinha (e tem) Esparta como cidade principal; por último, pilágoras era o nome dado aos oradores da Assembleia Anfictiônica, que reunia, duas vezes por ano, os representantes das cidades-estado da Grécia Antiga. Cada cidade tinha direito a dois representantes.
Esperando, também, contribuir para popularizar os clássicos, eis o texto de Heródoto.
C.L.
HERÓDOTO


Partindo para as Termópilas, Leônidas escolheu para acompanhá-lo trezentos espartanos na flor da idade e todos com filhos.
Levou também consigo tropas tebanas, comandadas por Leontíades, filho de Eurímaco. Os tebanos foram os únicos gregos que Leônidas se empenhou em conduzir à luta, porque eram acusados de inclinar-se para a causa dos medos. Ele os convidou para tomar parte na guerra, a fim de ver se eles enviariam tropas ou se renunciariam abertamente à aliança com os gregos. Eles enviaram tropas, embora estivessem mal-intencionados.
Os espartanos enviaram na frente Leônidas, com seus trezentos homens, a fim de encorajar com essa conduta o resto dos aliados e com receio de que eles abraçassem a causa dos persas, vendo a lentidão dos primeiros em socorrer a Grécia. A festa das Cárnias impedia-os, então, de se porem em marcha com todas as suas forças, mas pretendiam partir logo após, deixando em Esparta apenas um pequeno número de soldados para guardar a cidade. Os outros aliados alimentavam o mesmo propósito, encontrando-se na mesma situação, pois chegara a época dos Jogos Olímpicos; e como não esperavam combater tão cedo nas Termópilas, tinham-se limitado a enviar um pequeno número de tropas de vanguarda.
Entretanto, as tropas gregas que já se encontravam nas Termópilas, tomadas de pânico ante a aproximação dos persas, puseram-se a discutir se deviam ou não abandonar aquela posição. Os peloponésios eram de parecer que deviam regressar ao Peloponeso para guardar o istmo; mas Leônidas, vendo que os focídios e os lócrios se mostravam indignados com isso, opinou que ali deviam permanecer, ficando resolvido enviarem-se correios a todas as cidades aliadas para solicitar auxílio contra as forças persas, pois os que ali se encontravam eram em número insuficiente para resistir a um choque com os invasores.
Enquanto assim deliberavam, Xerxes enviou um dos seus cavaleiros para fazer um reconhecimento da situação das tropas gregas e sobre o número das mesmas. Ele tinha ouvido dizer, quando se encontrava na Tessália, que um pequeno corpo de tropas se havia concentrado naquela passagem, e que os lacedemônios, comandados por Leônidas, da raça de Hércules, formavam o grupo vanguardeiro. O cavaleiro, aproximando-se do local onde se achavam as forças gregas, examinou-as cuidadosamente; mas não pôde ver as tropas que se encontravam atrás da muralha ali erguida. Percebeu somente as que haviam acampado diante da muralha. Os lacedemônios guardavam esse posto. Nesse momento, uns ocupavam-se com exercícios gímnicos, enquanto que outros penteavam os cabelos, espetáculo que muito o surpreendeu. Depois de ter calculado o número deles e examinado atentamente o local, o cavaleiro persa regressou ao seu acampamento, sem ser perseguido, pois ninguém dera pela sua presença.
De regresso ao seu posto, o cavaleiro fez a Xerxes um relato minucioso de tudo o que havia visto e observado. Diante do exposto, o soberano não pôde admitir que os gregos se dispusessem a enfrentar, daquela forma, o perigo e a morte, parecendo-lhe sobremodo ridícula tal maneira de agir. Mandou chamar Demarato, filho de Aríston, que se achava no acampamento, e quando este chegou interrogou-o sobre a conduta dos lacedemônios em tão perigosa situação.
“Senhor - respondeu Demarato -, quando encetamos a marcha contra a Grécia eu vos falei sobre esse povo, dizendo-vos da atitude que ele assumiria ante o perigo de um ataque, e nenhuma atenção destes às minhas palavras. Embora incorra no risco de desagradar-vos, quero que saibais a verdade e peço-vos que me escuteis. Aqueles homens que ali se encontram estão dispostos a vedar-vos a passagem, e para isso se preparam, pois os lacedemônios têm o costume de tratar dos cabelos quando em vésperas de arriscar a vida numa empreitada. Se conseguirdes subjugar esses homens e os que se encontram em Esparta, podeis estar certo, senhor, que nenhuma outra nação ousará mais erguer-se contra vós, já que os espartanos, contra os quais agora marchais, são o povo mais valoroso da Grécia, e o seu reino e a sua cidade os mais florescentes e belos de todo o país”.
Xerxes, não podendo dar fé a essas palavras, perguntou, ainda uma vez, de que maneira os gregos, sendo em número tão reduzido, poderiam fazer frente ao seu poderoso exército.
“Senhor - volveu Demarato -, podeis considerar-me um impostor se não acontecer tal como vos digo”.
O soberano, todavia, não se deu por convencido, e deixou passar quatro dias, esperando que os gregos se pusessem em fuga. Finalmente, no quinto dia, vendo que eles se mantinham firmes no seu posto e decididos a resistir-lhe, sentiu-se tomado de cólera e enviou contra eles um destacamento de medos e de císsios, com ordem de capturá-los e trazê-los à sua presença.
Os medos lançaram-se impetuosamente sobre os gregos, mas foram repelidos com grandes baixas. Novas tropas vieram à carga, e os defensores gregos, embora fortemente castigados, não recuaram. Então todos compreenderam claramente, inclusive o próprio Xerxes, que os persas possuíam muitos homens, mas poucos soldados. O combate prolongou-se durante todo o dia.
Vendo-se rudemente repelidos em todos os assaltos, os medos retiraram-se, sendo substituídos por tropas persas, cujos componentes eram, pelo rei, denominados Imortais e comandados por Hidarnes.
Essas tropas atiraram-se sobre o inimigo, seguras da vitória; mas não lograram maiores vantagens que os medos. Sendo suas lanças mais curtas que as dos gregos e desenrolando-se a luta num sítio estreito, não puderam fazer valer o seu maior número. Os lacedemônios combateram de maneira admirável, fazendo ver que eram hábeis e os inimigos muito ignorantes na arte militar. Todas as vezes que lhes voltavam as costas, eles, julgando que se tratava de uma fuga, punham-se a persegui-los. Então os gregos, fazendo meia-volta, enfrentavam-nos de novo e desbaratavam-nos. Por fim, os persas, vendo que, não obstante seus reiterados ataques, não conseguiam assenhorear-se da passagem, resolveram retirar-se.
Conta-se que o soberano persa, que observava o combate, receando pela sorte do seu exército, ergueu-se do trono por três vezes. Tal o resultado desse primeiro choque. Os bárbaros não conseguiram melhores resultados na segunda sortida que tentaram. Gabavam-se, porém, de os gregos não poderem mais erguer as mãos, em vista dos ferimentos recebidos na refrega. Os gregos, todavia, colocando-se em ordem de batalha por nações e por batalhões, continuaram combatendo cada qual por sua vez, com exceção dos focídios, que se mantinham no alto da montanha guardando o atalho. Os persas, vendo que não obtinham melhor êxito que no dia anterior, retiraram-se para as suas posições.
Mostrava-se Xerxes muito preocupado com essa situação, quando Efialtes, málio de nascimento e filho de Euridemo, veio procurá-lo na esperança de obter uma boa recompensa.
Esse traidor indicou ao soberano o atalho que conduz, pela montanha, às Termópilas, tornando-se, assim, o causador da perda dos gregos que guardavam essa passagem. Praticada essa vil ação, refugiou-se na Tessália, para se pôr a coberto da vingança dos lacedemônios; mas, embora fugisse, sua cabeça foi posta a prêmio pelos pilágoras, numa assembleia dos anfictiões em Pilas, e certo dia, vindo ele a Antícira, foi morto por um traquínio chamado Atenades. Este matou-o, porém, por um outro motivo; mas não deixou, por isso, de receber dos lacedemônios a recompensa prometida.
A revelação feita por Efialtes e o plano por ele apresentado animaram muito a Xerxes, enchendo-o de satisfação. Sem perda de tempo, enviou ele Hidarnes com suas tropas para o ponto indicado, confiante no resultado da missão.
O general partiu do acampamento na hora em que se acendem os fachos. Os málios, habitantes da região, haviam descoberto o atalho e por ali tinham conduzido os tessálios contra os focídios, quando estes, tendo fechado com uma muralha a passagem das Termópilas, se haviam posto a coberto das incursões daqueles. Por muito tempo esse atalho não tivera nenhuma utilidade para os málios.
O atalho começa no Asopo, que corre pela abertura da montanha que tem o nome de Ánopéia, e termina na cidade de Alpena, a primeira do país dos lócrios, do lado dos málios, perto da rocha denominada Melampiges e da localidade dos Cercopes. É nesse ponto que a passagem se apresenta mais estreita.
As tropas persas, tendo atravessado o Asopo, perto do desfiladeiro, caminharam durante toda a noite, tendo à direita os montes dos Eteus, e à esquerda os dos Traquínios. Já se encontravam no alto da montanha, quando o dia começou a clarear.
Como já disse, achavam-se concentrados nesse ponto mil focídios muito bem armados, para defender seu país da invasão dos bárbaros e para guardar o atalho. A passagem inferior era defendida pelas tropas de que já falei, e os focídios se haviam oferecido a Leônidas para guardar o atalho.
Os persas galgaram a montanha sem serem percebidos, protegidos pelos carvalhos que ali cresciam em abundância. O tempo estava calmo, e os focídios finalmente os descobriram pelo ruído que faziam ao pisar as folhas das árvores espalhadas pelo chão. Erguendo-se incontinênti, muniram-se de suas armas, e nesse instante surgiram os bárbaros.
Estes, que não esperavam encontrar inimigos, ficaram surpresos à vista de um corpo de tropas bem armadas. Hidarnes, receando tratar-se de lacedemônios, perguntou a Efialtes de que país eram aquelas tropas. Recebendo a resposta, dispôs os persas em ordem de batalha. Os focídios, estonteados por uma nuvem de flechas, fugiram para o alto da montanha, e julgando que aquelas tropas tinham vindo expressamente para atacá-los, prepararam-se para recebê-las como homens que não receiam a morte. Todavia, Hidarnes, e os persas, guiados por Efialtes, desceram apressadamente a montanha, deixando-os em paz.
Quando o dia clareou, os focídios deixaram o alto da montanha. Num conselho reunido para estudar a situação as opiniões divergiram, sendo uns de parecer que se devia permanecer no posto, enquanto que outros optavam por uma retirada. Separaram-se depois dessa deliberação; uns partiram e dispersaram-se pelas suas respectivas cidades, outros permaneceram com Leônidas.
Dizem que foi o próprio Leônidas quem decidiu mandá-los embora, a fim de não expô-los a uma morte certa, considerando, entretanto, que, por uma questão de honra, nem ele nem os espartanos que ali se achavam podiam retirar-se, encarregados, como tinham sido, de guardar a passagem. Sinto-me mais inclinado a crer que Leônidas, notando o desencorajamento dos aliados e vendo-os pouco dispostos a correrem o mesmo perigo que os espartanos, ordenou-lhes que se retirassem. Quanto a ele próprio, achou, sem dúvida, que seria vergonhoso fazer o mesmo, e que, permanecendo no seu posto, adquiriria para si uma glória imortal, e para Esparta uma felicidade perene.
Os aliados se retiraram por obediência a Leônidas. Os tebanos e os téspios permaneceram com os lacedemônios; os primeiros contra a vontade, porquanto Leônidas os retivera para servirem de reféns. Os téspios permaneceram voluntaria- mente, declarando-se dispostos a não abandonar jamais Leônidas e os espartanos, e pereceram com eles. Eram comandados por Demófilo, filho de Diadromas.
Xerxes fez libações ao nascer do sol, e, depois de haver esperado algum tempo, pôs-se em marcha na hora em que o mercado costuma estar cheio de gente, como lhe havia recomendado Efialtes. Descendo a montanha, os bárbaros e o soberano aproximaram-se do ponto visado. Leônidas e os gregos, marchando como para uma morte certa, avançaram muito mais do que haviam feito antes, até o ponto mais largo do desfiladeiro, já sem a proteção da muralha. Nos encontros anteriores não haviam deixado os pontos mais estreitos, combatendo sempre ali; mas neste dia, a luta travou-se num trecho mais amplo, ali perecendo grande número de bárbaros. Os oficiais destes últimos, colocando-se atrás das fileiras com o chicote na mão, impeliam-nos para a frente à força de chicotadas. Muitos caíram no mar, onde encontraram a morte, enquanto que inúmeros outros pereceram sob os pés de seus próprios companheiros. Os gregos lançavam-se contra o inimigo com inteiro desprezo pela vida, mas vendendo-a a alto preço. A maioria deles já tinha as suas lanças partidas, servindo-se apenas das espadas contra os persas.
Leônidas foi morto nesse encontro, depois de haver praticado os mais prodigiosos feitos. Com ele pereceram outros espartanos de grande valor, cujos nomes não desconheço. Os persas perderam também muitos homens de primeira categoria, entre os quais Abrocomes e Hiperantes, ambos filhos de Dario.
Esses dois irmãos de Xerxes pereceram ali de armas na mão. Foi violento o combate travado sobre o corpo inanimado de Leônidas. Os persas e os lacedemônios repeliam uns aos outros alternadamente, mas, finalmente, os gregos, depois de haverem posto quatro vezes em fuga o inimigo, conseguiram retirar do campo o corpo do valoroso comandante.
A vantagem alcançada pelos gregos durou até a chegada das tropas conduzidas por Efialtes, quando a situação mudou favoravelmente aos persas. Os gregos recuaram para o ponto mais estreito do desfiladeiro. Em seguida, transpondo a muralha, mantiveram-se todos, exceto os tebanos, sobre a colina que se ergue à entrada do desfiladeiro e onde hoje se vê um leão de pedra erigido em homenagem a Leônidas. Os que ainda possuíam espadas, com elas se defendiam; os outros lutavam com as mãos limpas.
Se bem que todos os lacedemônios e téspios se tivessem conduzido com grande bravura, dizem que Dieneces, de Esparta, a todos suplantou pelo seu valor e desprendimento na luta, citando-se dele uma frase memorável.
Antes da batalha, tendo ouvido um traquínio dizer que o sol seria obscurecido pelas flechas dos bárbaros, tão grande era o número deles, respondeu-lhe sem perturbar-se: “Nosso hóspede da Traquínia nos anuncia toda sorte de vantagens. Se os medos cobrirem o sol, combateremos à sombra, sem ficarmos expostos ao seu ardor”. De Dieneces contam-se outras coisas semelhantes, que são como outros tantos monumentos por ele legados à posteridade.
Alfeu e Maron, filhos de Orsifante, ambos lacedemônios, foram os que mais se distinguiram depois de Dieneces; e entre os téspios, Ditirambo, filho de Harmatides, foi o que mais se cobriu de glórias.
Foram todos enterrados num mesmo lugar, onde haviam tombado para sempre, e sobre o seu túmulo, bem como sobre o monumento dos que pereceram antes de haver Leônidas mandado embora os aliados, vê-se esta inscrição: “Quatro mil peloponésios combateram aqui contra três milhões de homens”.
Esta inscrição refere-se a todos, mas a seguinte refere-se particularmente aos espartanos: “Caminhante, vai dizer aos lacedemônios que aqui repousamos por havermos obedecido às suas leis”.
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