quinta-feira, 23 de abril de 2015

Múltis do vestuário dão calote em milhares de vítimas do Rana Plaza


  Desmoronamento do complexo têxtil em Bangladesh matou 1.138 e feriu 2.437. Tragédia anunciada ocorreu há dois anos e as empresas não pagam as indenizações devidas a sobreviventes
O desmoronamento do complexo têxtil Rana Plaza, na periferia de Daca, capital de Bangladesh, matou soterradas 1.138 pessoas e deixou 2.437 feridas no dia 24 de abril de 2013, desnudando a lógica do lucro máximo que guia as transnacionais da moda. Passados exatos dois anos, apesar da pobreza dos sobreviventes e dos familiares dos mortos, de haver inúmeros mutilados e centenas de crianças órfãs, gigantes como a Benetton ainda não desembolsaram um único centavo de indenização. Entre as marcas vinculadas diretamente com a tragédia, Walmart e GAP chegaram a fazer lobby contra qualquer acordo para abrandar a dor das vítimas.
Acompanhada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma comissão independente estimou em US$ 30 milhões a soma adequada para indenizar os sobreviventes e os parentes das vítimas fatais. Embora as mutilações e a gravidade dos ferimentos multipliquem o número de suicídios, empresas mundialmente conhecidas têm ignorado a situação caótica, continuam persistindo nos atropelos e ainda devem 30% do montante estipulado.
Muitas transnacionais não pagaram praticamente nada, se utilizando do cínico argumento de que as fábricas afetadas pelo desmoronamento não haviam produzido ou armazenado roupas com o seu conhecimento ou haver recebido tal encargo. O desembolso de empresas como a C&A, Primark e Mango foi ínfimo, sem qualquer relação com o seu tamanho ou capacidade de pagamento.
TERCEIRIZAÇÃO
Na prática, são arapucas que vêm impondo suas regras burlando a legislação trabalhista, agredindo a soberania dos países e povos, e enterrando qualquer princípio ético. É desta forma, terceirizando e precarizando, que impõem jornadas de trabalho de até 14 horas, com apenas dois dias de folga no mês - como era prática no Rana Plaza e nas demais 5.400 fábricas de vestuário de Bangladesh. Reduzido a um entreposto comercial, o país é o segundo maior fabricante de roupas do planeta, setor que representa 80% das suas exportações, gera mais de 15 bilhões de euros anuais e emprega mais de quatro milhões de trabalhadores, dos quais 85% são mulheres.
No Rana Plaza, mesmo que tenham aparecido rachaduras na estrutura de oito andares no dia anterior ao “acidente”, os mais de 3.500 funcionários tiveram de trabalhar para receber um dos salários mais baixos do mundo: US$ 37 mensais.
“Ninguém queria voltar ao edifício naquele dia, mas ainda assim entrei. Quando bastante gente te bate, faz o que te digam. Podíamos ver a tensão nos olhos das pessoas”, relatou Shila Begum, costureira encontrada sobre os escombros. Submetida a uma cirurgia para extrair o útero, além do trauma, ela convive com dores fortes e constantes em seu braço e já não pode trabalhar.
O arrocho salarial, a extrema precarização das relações de trabalho, a inexistência de medidas de segurança ou fiscalização, e a violenta perseguição à organização dos trabalhadores, tortura e assassinato de lideranças – como a de Aminul Islam, em 2012 -, faz de Bangladesh o paraíso das multinacionais, com menos de 3% de sindicalização.
MOBILIZAÇÃO
Após muita pressão do sindicalismo internacional, empresas estadunidenses como o Walmart, Chidren’s Place e Gap, que inicialmente haviam se negado a contribuir para o fundo de compensação às vítimas de acidentes – e até mesmo a assinar um documento para mudar as condições de insegurança e ameaça de incêndio nas confecções de Bangladesh – acabaram liberando recursos insignificantes diante da dimensão do problema que causaram. O fato, denunciam as vítimas, é que “os valores não cobrem sequer os médicos e os medicamentos gastos”.
“Empresas como o Walmart darem somente 750 dólares por família afetada, para quem ficou sem sua única fonte de renda e que estão sem casa, para jovens que perderam uma perna ou para 300 crianças que agora são órfãs é, sem dúvida, um valor muito baixo”, condenou Liana Foxvog, diretora do Fórum Internacional de Direitos Laborais.
SEM PAGAMENTO
“Me bateram nas orelhas, no peito e no estômago. Quando cai, me pisotearam e gritei”, declarou um trabalhador de uma fábrica de Daca, descrevendo o tratamento recebido da empresa quando tentou interceder por colegas despedidos sem receber o pagamento devido.
Conforme Eva Kreisler, diretora da Campanha Roupa Limpa, que luta por melhores condições de trabalho na indústria têxtil, as condições de fiscalização das irregularidades são bastante “complicadas”. “As multinacionais têxteis podem chegar a ter mais de 1.400 provedores diferentes”, afirma Kreisler, frisando que “o princípio pelo qual se guia o ‘fast fashion’ é o de fabricar rápido, em grandes quantidades e a preços muito baixos”. Embora as transnacionais tenham uma lista de provedores oficiais que devem ser submetidos a auditorias para comprovar o cumprimento das normas da OIT, denuncia, na maioria dos casos não há esta preocupação. “Enquanto cumpra com os requisitos de qualidade, o resto parece que não interessa”, disse. De acordo com ela, este foi o caso do Rana Plaza, “onde as pessoas tiveram que eleger entre salvar sua vida ou arriscá-la para poder receber o salário”. Diante de tamanho descalabro, Kreisler defende que “deveriam ser adotados mecanismos legislativos que ponham freio às transnacionais, que devem ser responsabilizadas juridicamente não somente em seu país, mas onde atuam pelo mundo, em toda a sua cadeia de produção”.
Deixando às claras as razões da presença de multinacionais em Bangladesh, o jornal espanhol Expansión aponta que a preferência se dá porque a mão de obra é mais barata, não se pagam impostos às importações e as condições de trabalho são “muito flexíveis”.

L.W.S
http://www.horadopovo.com.br/

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