domingo, 31 de março de 2013

Notícias do manicômio



DAVID BROOKS
  Há semanas em que você não pode dar notícias a partir dos EUA de maneira racional o que muitas vezes é, objetivamente, um mosaico de loucuras. Se alguém consegue fazer isso, suspeita-se que só foi possível porque se tornou um interno a mais no hospício.
  De dentro, eles insistem, tudo tem uma explicação lógica. Porém às vezes isso só prova que eles estão loucos.
  Por exemplo, entre as principais notícias dos últimos dias destaca-se o anúncio de que os líderes do Congresso já não consideram necessário a proibição de armas de assalto, ou seja, nada mais nada menos do que armas de guerra, no projeto de lei para impor maior controle das armas de fogo. O motivo: não há apoio suficiente entre os parlamentares. Na verdade, de acordo com uma pesquisa da CNN, o apoio público a controles mais rígidos sobre armas caiu de 52% a 43% desde o morticínio de Newtown.
  O direito dos cidadãos de possuir armas, argumenta-se aqui, é garantido pela Constituição. A partir da lógica interna do manicômio, alguns alegam algo que soa quase revolucionário: que os cidadãos têm o direito de se armar, não apenas para proteger-se dos maus que andam por aí, mas do próprio governo e dos seus possíveis abusos dos direitos dos cidadãos, como, por exemplo, as tentativas de tomar-lhes as armas.
  Reivindicação dos pais de 20 crianças assassinadas em Newtown há apenas três meses, bem como de uma deputada federal, cuja carreira foi interrompida por uma bala na cabeça, disparada por um louco armado; o envio por redes sociais de uma das imagens mais impactantes desta semana – as lentes dos óculos de John Lennon ainda manchadas de sangue, com a mensagem de sua viúva, Yoko Ono, de que mais de um milhão 57 mil pessoas foram mortas por armas de fogo nos Estados Unidos desde que John Lennon foi baleado e morto em 8 de dezembro de 1980, ou as estatísticas diárias dos tiroteios em Chicago com saldos de jovens mortos, ou o fato de que essas armas de assalto são as favoritas do crime organizado no México e nos Estados Unidos: todas estas mensagens racionais e os fatos a favor da criação de controles mais rígidos sobre armas, colidem contra a dinâmica manicômio oficial.
  Envergonho-me de que o Congresso não tenha a coragem para promover este controle, disse um pai de uma das crianças mortas na escola primária de Newtown há apenas três meses.
  Mas a vergonha não parece incomodar um Congresso que tem um índice de aprovação do público de apenas 12%. Embora a nota principal em Washington nos últimos anos seja de que há uma estagnação do processo político, onde tudo emperra - desde reformas de controle de armas e imigração até o orçamento federal – por uma suposta polarização ideológica, outro fenômeno sugere exatamente o oposto. De fato, o que é indiscutível é a existência de um consenso bipartidário sobre as políticas neoliberais que geraram o maior nível de desigualdade econômica desde a Grande Depressão e acabou com o tão aclamado sonho americano e, por outra parte, a construção de um Estado de segurança nacional sem precedente, ameaça as liberdades e garantias que o governo alega defender, incluindo a fundamental liberdade de expressão.
  James Goodale, o advogado do New York Times em 1971, quando o jornal tomou a decisão de publicar os Papéis do Pentágono, o maior vazamento de documentos secretos oficiais na história do país antes do caso de Bradley Manning e o Wikileaks, e enfrentou o governo obcecado com segredos oficiais e manipulação pública do presidente Richard Nixon, recentemente qualificou o tratamento de informações confidenciais e liberdade de imprensa pelo presidente Barack Obama, de pré-diluviano, conservador, reacionário, pior do que Nixon, em uma entrevista com o Columbia Journalism Review.
  Em outras partes do hospício havia notícias esta semana. Só para citar algumas: de acordo com Financial Times, a empresa Halliburton, encabeçada pelo ex-vice-presidente Dick Cheney antes da guerra contra o Iraque, obteve contratos no valor de US$ 39,5 bilhões para prestar serviços a invasão estadunidense, o negócio do sangue paga bem. Além disso, Obama, que disse estar empenhado em combater a mudança climática, nomeou como próximo secretário de Energia Ernest Moniz, um cientista nuclear do MIT, que conduziu um programa de pesquisa financiado por grandes empresas de energia e também foi consultor ou integrante de diretorias de várias destas, incluindo a inglesa BP, responsável por um dos piores desastres ambientais no Golfo do México.
  Ao mesmo tempo, o prefeito de Chicago, Rahm Emanuel, acaba de anunciar que vai fechar cerca de 60 escolas para lidar com um déficit orçamentário. O mesmo acontece em outras cidades, como Nova York, Filadélfia, Washington, Baltimore e Detroit. No entanto, nessas mesmas cidades há fundos para abrir dezenas de novas escolas charter que são publicamente subsidiadas porém administradas de forma privada, isto é, um esforço para privatizar o sistema público e destruir os sindicatos dos professores.
  Neste clima de austeridade também há dinheiro para construir mais prisões. Os governos federal e dos estados gastam cerca de 70 bilhões de dólares por ano no sistema prisional, os estados gastam em prisões quase o mesmo que em universidades. Isto no país onde há mais presos no mundo, tanto em números absolutos como em porcentagem de sua população. A União Americana de Liberdades Civis relata que isso significa que um em cada 99 habitantes está preso. Com 5% da população mundial, os Estados Unidos têm 25% da população carcerária do mundo.
  Tudo isso, e mais, é relatado como se fosse mais ou menos normal. A loucura tornou-se normal. Mas, certamente, essa informação é classificada como secreta, para o bem de todos nós no hospital mental.

http://www.horadopovo.com.br/

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