quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O CARTEL BANCÁRIO QUE OPERA O MERCADO PETROLÍFERO


O início do novo ano foi acompanhado por uma queda recorde nos índices e nos preços dos mercados financeiros e das commodities. O mercado do petróleo também estabeleceu novos recordes. Entre Julho de 2014 e o fim de 2015 o preço deste recurso energético caiu 70%. Parecia que havia atingido o fundo do poço, mas na semana passada os preços do petróleo caíram mais de 10% – a pior descida de um ano-novo na história registada. Cada vez mais os negociadores inclinam-se a pensar que os preços podiam cair abaixo dos 30 dólares por barril.

De acordo com o índice Bloomberg World Oil & Gas, na primeira semana de 2016 as 60 maiores companhias de petróleo do mundo perderam cerca de US$ 100 bilhões devido à queda de preços.

Uma discussão animada sobre as causas da queda de preços sem precedentes do ouro negro já iniciou faz tempo. Cada vez menos pessoas ainda acreditam que tal declínio é resultado de mudanças “naturais” no mercado.

Muitas vezes as atuações da Arábia Saudita são mencionadas como uma razão para o mergulho dos preços no mercado global. É verdade que aquele país tem promovido unilateralmente (sem o acordo de outros membros da OPEP) a sua produção de petróleo e começou a despejar grandes quantidades dele numa tentativa de dominar o mercado mundial do petróleo. Isto poderia representar uma descida de apenas alguns dólares por barril nos preços globais, mas o fato é que o declínio total agora é cerca de US$ 100 (medido desde o seu pico em 2008). E se os cálculos forem baseados no preço médio de 2014, o qual era de quase US$ 100 (para o Brent), isso resulta num barateamento de quase US$ 70 por barril até o princípio de 2016. Seria preciso um esforço concertado de todos os grandes países produtores do mundo para sacudir tanto assim o mercado.

Hoje dificilmente se encontra um especialista sério que considere a OPEP – a organização conhecida como o cartel do petróleo – um fator significativo. Naturalmente há suspeitas de que o mercado petrolífero está sendo manipulado. A acumulação de estoques é um método tradicional de manipular qualquer mercado. Montanhas de ouro negro, etiquetadas como reservas estratégicas, estão sendo acumuladas por muitos países, especialmente os Estados Unidos. Liquidar um estoque acumulado pode forçar as descidas de preços. E os EUA venderam parte das suas reservas antes, mas o efeito destas vendas tem vida muito curta e os impactos nos preços apenas em uns poucos dólares por barril.

Nos últimos dias de 2015 os meios de comunicação publicaram uma série de reportagens culpando o cartel bancário pelas flutuações dramáticas do mercado petrolífero. Uma das primeira foi um artigo do consultor financeiro americano Michael McDonald, afirmando que não é a OPEP que pilota o mercado do ouro negro mas sim que este é controlado pelo cartel bancário, o qual utiliza como ferramenta empréstimos relativos a energia, feitos a companhias na indústria petrolífera e em outros setores energéticos. Segundo McDonald, o montante total dos empréstimos pendentes ao setor energético dos EUA (a indústria do petróleo e do gás) é de US$ 4 milhões de milhões (trillion). E bancos norte-americanos atualmente possuem apenas cerca de 45% de todos os empréstimos dos EUA a companhias de energia, enquanto outros 30% são de bancos estrangeiros e 25% de entidades não bancárias como hedge funds (fundos de risco).

A primeira conclusão de McDonald parece razoável: é verdade que a OPEP não tem controlado o mercado petrolífero faz muito tempo. E é mesmo razoável dizer que os bancos ao operar como cartel começaram a pilotar o mercado. Mas a sua terceira conclusão – sua afirmação de que empréstimos energéticos estão sendo utilizados como ferramenta para dirigir o mercado – é questionável.

O próprio McDonald cita dados que lançam dúvidas acerca da sua conclusão. O autor declara que empréstimos ao setor energético constitue apenas 3% do total do mercado de empréstimos nos EUA. Isso não é suficiente para induzir mudanças importantes no mercado do petróleo e dos outros recursos energéticos. Obviamente os bancos de Wall Street não vêem a indústria da energia como sua máxima prioridade quando estabelecem suas políticas de empréstimos. Hipoteticamente, empréstimos bancários poderiam ser um meio para dar sequencia a uma política estrutural de longo prazo. Alguns especialistas sugerem precisamente isso, afirmando que a queda nos preços do petróleo é “real e a longo prazo”. Mas tais opiniões têm de ser apoiadas com estatísticas que mostrem investimento no desenvolvimento das energias alternativas que estão a substituir o petróleo tradicional, mas não há tal evidência. Os bancos, pelo menos em anos recentes, não aumentaram perceptivelmente seus empréstimos para projetos de energia verde.

Isto sugere que a queda nos preços do petróleo resulta da manipulação do preço. Empréstimos bancários não podem ser utilizados como instrumento de tal manipulação. Empréstimos naturalmente têm um impacto sobre os preços, mas o efeito de um empréstimo não pode ser visto senão depois de vários anos. Contudo, os preços reagem à manipulação de imediato, ou dentro de algumas semanas no máximo. McDonald afirma que no ano passado os bancos cortaram seu financiamento à indústria petrolífera e provavelmente continuarão a fazê-lo em 2016. Mas alguém poderia esperar que isso terá o efeito oposto, resultando em preços mais altos para o petróleo, uma vez que as restrições de crédito reduzirão a oferta de petróleo.

Os manipuladores do mercado petrolífero são os grandes bancos. Eles fazem isto através da utilização de contratos futuros de petróleo e de outros derivativos ligados ao petróleo. Isto parece contra-intuitivo, mas preços diários (para transações spot) são estabelecidos pelos preços para entregas futuras (num prazo de um ano, por exemplo).
E os preços futuros são o resultado do que se chama “expectativas”. A “expectativas”, por sua vez, são criadas pelas agências de classificação, a comunidade de especialistas, e a mídia de massa. Tudo isto está sob o controle dos grandes bancos. Os bancos simplesmente encomendam (place an order) as expectativas “necessárias”.

Desde o fim da década de 1970 tem crescido um mercado robusto para o “petróleo de papel”, isto é, um mercado para contratos futuros que não culmina num despacho físico de petróleo. Isto é um jogo de azar para especuladores, o qual provoca um sofrimento para qualquer um que esteja no negócio de produzir, refinar ou utilizar petróleo ou produtos petrolíferos na economia real. Atualmente o número de transações no mercado para “petróleo de papel” é dez vezes maior do que no mercado de petróleo físico. O volume de trading para contratos futuros de petróleo nas duas maiores bolsas –o NYMEX de Nova York e o ICE de Londres – já é 10 vezes mais alto do que o consumo anual global de petróleo.

Todos os mercados derivativos são controlados por bancos, principalmente bancos de Wall Street, bem como por alguns grandes bancos na City de Londres e na Europa continental. O mercado para o “petróleo de papel” não é exceção. Segundo algumas estimativas, 95% do mercado global para derivativos de petróleo é controlado por bancos dos Estados Unidos.

Os maiores negociantes em derivativos de petróleo são o Goldman Sachs, o J.P. Morgan Chase e outros gigantes banqueiros que utilizam mercados futuros de petróleo, acima de tudo, para lucrar com flutuações nos preços do óleo e em segundo lugar para assegurar seu próprio papel como intermediários financeiros. Além disso, os clientes do cartel incluem tanto atores no mercado de petróleo físico – companhias de petróleo, refinarias, linhas aéreas, etc – como atores financeiros tais como hedge funds (fundos de risco). A fim de aumentar o impacto comercial do seu monopólio do mercado do “petróleo de papel”, muitos gigantes bancários também comerciam no petróleo físico (é óbvio que estes bancos têm uma vantagem sobre atores do chamado mercado livre quando se trata de arranjar preços para o ouro negro). Em 2003, o US Federal Reserve decidiu permitir aos bancos que atuassem como comerciantes decommodities e o J.P. Morgan, Morgan Stanley, Barclays, Goldman Sachs, Citigroup e um certo número de outros grandes bancos saltaram com muita ansiedade para a comercialização do petróleo físico.

A crise financeira de 2007-2009 foi disparada em grande medida pelo fato de que emergiram mercados derivativos nos quais gigantes bancários estado-unidenses podiam crescer de modo selvagem e estavam fora do controle dos reguladores financeiros. O US Federal Reservea US Securities and Exchange Commission, o Departamento da Justiça e reguladores financeiros europeus tentaram trazer algum sentido de ordem aos mercados derivativos. Em 2010, os EUA aprovaram o Dodd-Frank Act, o qual esboçava um plano para regulações mais apertadas no mercado financeiro, mas aquela lei é apenas um enquadramento. Sua aplicação prática exigiria uma grande quantidade de leis muito mais específicas e instrumentos regulamentares.

Durante vários anos os EUA têm investigado as atividades dos bancos de Wall Street e dos maiores bancos europeus antes e durante a crise de 2007-2009. Em particular foram identificados laços que ligavam transações bancárias nos mercados futuros de petróleo às suas transações envolvendo petróleo físico. Em 2013, foi lançada uma investigação sobre as ações de Goldman SachsMorgan Stanley J.P. Morgan para manipular preços de commodities (inclusive petróleo) e em 2014 foram executadas acusações válidas contra esses bancos.

Por enquanto a maior parte dos grandes bancos permanece nos mercados de derivativos financeiros. Isto inclui o mercado de futuros de petróleo. Portanto devemos estar preparados para que o “mercado” do petróleo continue a desempenhar toda espécie de façanhas de circo.

Concluindo, deveria ser notado que os bancos que estão manipulando os preços do petróleo estão realmente operando como um cartel. Contudo, este não é um cartel especializado, com atividade limitada a um único produto do mercado. Este é um cartel global, ostentando o título oficial do “US Federal Reserve System“. Com acesso a uma impressora para fabricar dinheiro de curso legal global (dólares), os bancos regionais do Federal Reserve efetivamente controlam tudo no mercado financeiro e no mercado da maior parte do mercado de commodities.

Traduzido para publicação em dinamicaglobal.wordpress.com
Autor: Valentin Katasonov

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