quinta-feira, 9 de outubro de 2014

AÉCIO NÃO ASSINA COMPROMISSO CONTRA O TRABALHO ESCRAVO


Ao contrário de Dilma, Marina, Luciana Genro e Eduardo Jorge, Aécio não se compromete com documento que pede extinção do Trabalho Escravo. Entidades afirmam que postura reforça conexão do candidato com setor retrógrado do empresariado

Como José Serra em 2010, Aécio Neves não se compromete com fim do trabalho escravo (arquivo)
O candidato Aécio Neves, do PSDB, ainda não se pronunciou sobre a carta-compromisso contra o trabalho escravo contemporâneo, documento idealizado pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), vinculada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que visa a que os futuros governantes assumam como prioridade a questão.
Tema fundamental para a promoção dos direitos humanos no Brasil, o compromisso de combater o trabalho escravo foi firmado durante a campanha do primeiro turno por boa parte dos presidenciáveis – Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB), Luciana Genro (Psol) e Eduardo Jorge (PV).

Na carta, o candidato assume 12 compromissos, entre os quais o de não permitir influências de qualquer tipo em decisões que levem a aprovação de leis ou à implementação de ações necessárias para erradicar o trabalho escravo, a de efetivar ações presentes no 2º PLANO Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e nos PLANOS Estaduais para a Erradicação do Trabalho Escravo (onde eles existirem) e o de não promover empreendimentos e empresas, dentro ou fora do país, que tenham utilizado mão de obra escrava ou infantil.
Um dos itens centrais, devido ao contexto do Legislativo, é o de reconhecer e defender a definição de trabalho análogo ao de escravo presente no artigo 149 do Código Penal (caracterizado por trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva), tema que é essencial para a bancada de representantes do agronegócio.
Como signatário de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalho escravo, o Brasil pode ser submetido ao sistema internacional de justiça caso descumpra medidas no setor.
Em 1995, no primeiro ano do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a escravidão moderna foi reconhecida no país e, desde então, tem se buscado aprimorar os instrumentos de repressão ao trabalho escravo. Para planejar as ações nesse sentido, o então presidente instituiu o Grupo Especial de Fiscalização Móvel e o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf). Este último acabou substituído pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) em 2003, o primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que também estabeleceu o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.
Na opinião de frei Xavier Plassat, coordenador da campanha contra o trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), não há qualquer surpresa em que o candidato Aécio Neves não tenha ainda se manifestado sobre o documento contra o trabalho escravo contemporâneo. “É uma falha muito grave, na minha opinião, de não ter se comprometido com isso, provavelmente para angariar mais votos da parte mais reacionária, pode-se dizer, do patronato e empresariado brasileiro”, lamenta.
Radicado no Brasil desde 1989, o frade dominicano francês iniciou a luta contra o trabalho escravo oito anos mais tarde. Em 2008, ele foi agraciado tanto pela ONG estadunidense Free the Slaves como pela Presidência da República do Brasil, no governo Lula, com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos.
“É uma representação bem cabal do que representa a sua candidatura. Minas Gerais é um estado que não se pode alegar que não está sabendo dessa questão. Em 2014, é o estado que lidera os casos de trabalho escravo e de trabalhadores libertados”, diz, citando que já houve mais de dez casos envolvendo trabalhadores rurais ou na construção civil em terras mineiras.
Na avaliação do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, a demora e/ou a recusa do candidato Aécio Neves em assinar a carta-compromisso da Conatrae demonstra “as dificuldades que ele tem de se comprometer” com essa causa. “Ele mostra que não tem compromisso com essa causa, que é dos trabalhadores e de todos os movimentos que lutam pelo fim daquilo que ainda muito nos envergonha no Brasil, que é o trabalho escravo”, avalia.
Durante as eleições de 2010, a carta da Conatrae foi assinada pela então candidata Dilma Rousseff, mas não pelo principal adversário da oposição, o tucano José Serra.

Controvérsias

De acordo com um levantamento divulgado pela ONG Transparência Brasil no último dia 2, Aécio Neves foi um dos 61 candidatos – e o único presidenciável – que é ou já foi financiados por empresas ou pessoas ligadas a exploração de trabalhadores em condições análogas às de escravos, tendo recebido R$ 127.209,00 de quatro doadores de campanhas de 2002 e 2006 para o governo de Minas Gerais.
Em outra ponta, o PSDB, partido de Aécio Neves, é favorável à PEC 215, que tira da Presidência da República e transfere para o Congresso Nacional o poder de definir sobre a demarcação de novas terras indígenas, uma demanda encabeçada por parlamentares da bancada ruralista.
Em maio passado, após 15 anos de tramitação no Congresso, o Senado aprovou a Proposta de Emenda Constitucional do Trabalho Escravo, a PEC 57A/1999, que prevê a expropriação de terras para fins de reforma agrária e programas de habitação popular onde for observada a prática do trabalho escravo, sem qualquer tipo de indenização aos proprietários.
No entanto a aplicação integral do previsto pela emenda acabou condicionada a projeto de lei (PLS 432/2013) que é objeto de polêmica entre proprietários rurais e defensores de um combate mais duro ao trabalho escravo. Atual candidato à vice-presidência na chapa de Aécio Neves, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), relator da PEC, acolheu uma emenda de redação no Senado, sugerida pelo senador Romero Juca (PMDB-RR), que obriga a deixar mais claro o teor da legislação sobre o que é trabalho escravo.
Os defensores da emenda exigiram uma definição em lei, alegando que, se não houver um conceito mais claro, os proprietários rurais ficam ao arbítrio de uma fiscalização que pode ser excessivamente rigorosa e que abriria margem a que uma eventual infração trabalhista fosse interpretada como prática de trabalho escravo. Dessa forma, haverá uma tramitação paralela à PEC com um projeto de lei que regulamente a matéria a fim de evitar o risco, de acordo com representantes da bancada ruralista, de haver interpretações equivocadas.
Para o frei Xavier Plassat, a necessidade de uma nova definição para trabalho escravo representa um retrocesso, pois o conceito já consta do artigo 149 do Código Penal, que tipifica o crime de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.”
“Ultimamente, há muitas tentativas de retroceder e reduzir os instrumentos disponíveis para combate ao trabalho escravo, inclusive com o cúmulo de se rever a própria definição do que é trabalho escravo, uma bandeira da bancada ruralista de rever a definição do artigo 149 do Código Penal”, alerta o frei.
Renato Brandão, RBA

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