terça-feira, 14 de outubro de 2014

A economia não está à beira do abismo


Economia em crise, só nas páginas dos Jornalões e na boca da Miriam porquinha e da mídia vassala. Andando em Madureira, Campo Grande, Niterói e Centro do RJ, vemos lojas cheias, pessoas comprando. Andando pelo RJ, vejo abertura de fábricas, comércio em pleno vapor, essa canalhada esta querendo nos convencer de que? Crise foi no período tucano agachado ao FMI.
Aylton Mattos
A economia retratada no noticiário remete a outra realidade
Os últimos dias de setembro foram fatais para a economia do País, a crer no noticiário sobre as contas públicas e a conjuntura interna. O superávit primário dos últimos 12 meses, de 0,94% do PIB, foi o menor desde 2001 e inviabiliza a meta de 1,9% até dezembro. A exportação de soja, com cotações em baixa, deverá cair 20% no próximo ano sob efeito da boa safra prevista. O minério de ferro atingiu o recorde de queda em cinco anos, cotado a 78,6 dólares a tonelada, com desvalorização acumulada de 41,4% no ano. O Banco Central previu a diminuição das exportações pelo terceiro ano consecutivo. O leilão de internet 4G, em vez de gerar 7,7 bilhões de reais para o governo, rendeu 4,9 bilhões. A Bolsa, influenciada por esses motivos e pela especulação eleitoral, caiu 4,5% no dia 30 e acumulou perda de 11,7% no mês, o pior desempenho em mais de dois anos. O dólar subiu 9,3% no mês, a maior alta desde 2011. O Brasil, apontam alguns, faz feio em um mundo que começa a se afastar da crise.
Entre os fatos e as pressões eleitorais há, porém, um abismo. O ingresso líquido de investimentos estrangeiros diretos de 6,8 bilhões de dólares em agosto e a elevação do acumulado em 12 meses para 67 bilhões, equivalentes a 2,97% do PIB, estão longe de indicar um cataclismo. Este ano, tudo indica, será o quarto consecutivo com IED superior a 60 bilhões. Essa modalidade consiste na aquisição de 10% ou mais do direito a voto numa empresa. Segundo o BC,  seu ingresso depende de fatores como o ambiente institucional e macroeconômico do país receptor do aporte, perspectivas de crescimento a longo prazo, risco país, grau de abertura, perspectivas e oportunidades da economia. Por causa dessas condicionalidades, o IED é considerado um indicador relevante do grau de confiança externa.
As RESERVAS em moeda conversível, indicadoras do poder de fogo para repelir ataques especulativos e debelar crises cambiais, aumentaram em 315 milhões de dólares em agosto em relação ao mês anterior, e atingiram o total de 379,4 bilhões.
Há outros contrapontos. O superávit brasileiro, ao contrário da versão dominante, não é baixo no cenário mundial. Segundo o economista Daniel Keller de Almeida, sócio da Creta/Nobel Planejamento, o resultado, comparado àquele dos principais países da América LATINA e aos do G20, está entre os cinco mais elevados, desde 2010. O Brasil é o único, além da Arábia Saudita, com resultado primário positivo e superior a 1% do PIB na série.
A desvalorização do real diante do dólar não é uma exclusividade verde-amarela. A depreciação do euro ante o dólar atingiu 7,7% no terceiro trimestre.
O recuo persistente das exportações tem a ver com problemas internos, mas seria um erro subestimar os efeitos da retração da economia mundial. Segundo a Organização Mundial do Comércio, o baixo crescimento do PIB global reduziu as projeções de aumento do comércio internacional de bens, de 4,7% para 3,1%, em comparação ao desempenho do ano passado. O PIB da  Zona do Euro cresceu 0,2% no primeiro trimestre e zero no segundo, de acordo com relatório da Agência de Estatísticas da União Europeia.

A solidez do sistema financeiro, a baixa dependência de financiamento externo e o pequeno endividamento em outras moedas servem para entender a atratividade da economia brasileira em meio aos indicadores conjunturais negativos.
Apenas a Alemanha tem capital regulatório bancário em comparação aos ativos (ponderados pelo risco) superior ao do País. A relação entre provisões e inadimplência é de 10,6 vezes no sistema financeiro local, a maior entre as principais economias avançadas e as emergentes. O endividamento externo é baixo, corresponde a 8,6% do montante. A dívida total representa 14,6% do PIB, proporção muito inferior aos 38,8% de 2003.

Um exemplo de distorção entre a realidade e sua representação são as informações dominantes a respeito da exportação de plataformas de petróleo, responsável pelo ingresso de 7,7 bilhões de dólares em 2013 e de 1,3 bilhão neste ano, até setembro. Os equipamentos não saem do Brasil e isso dá margem a um estranhamento compreensível, mas a sua apresentação como operações de contabilidade criativa não tem base defensável. Trata-se de uma prática com total amparo legal, baseada em procedimentos internacionais consolidados e importante para o desenvolvimento do País.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, “nessas operações, há troca de titularidade do bem entre um estaleiro nacional e uma empresa adquirente no exterior, com a consequente entrada de divisas para pagamento da transação em moeda estrangeira. São, portanto, operações de exportação”. Após a venda, o equipamento é alugado por uma empresa petrolífera nacional e as remessas ao exterior para o pagamento dessa obrigação são computadas na conta de serviços do balanço de pagamentos. “A apuração estatística segue as recomendações do Balance of Payments Manual, do Fundo Monetário Internacional e do sistema de contas nacionais das Nações Unidas, de metodologia e produção estatística de comércio exterior, do qual o Brasil é signatário.”
A legislação federal criou, em 1999, por meio do Decreto nº 3.161, um regime aduaneiro especial para a indústria do petróleo, o Repetro, de autorização da exportação, sem saída do território nacional, de plataformas de perfuração e produção de petróleo ou gás natural. A operação é regulada pelo Decreto nº 6.759, de 2009, e pela Instrução Normativa nº 844, de 2008, da Receita Federal.
A origem do Repetro está ligada à história da indústria e do desenvolvimento brasileiros, esclarecem Bianca Santos Marzani e André Tosi Furtado, do Instituto de Geociências da Unicamp, e Sinclair Mallet-Guy Guerra, da FACULDADE de Engenharia Mecânica da mesma universidade, em trabalho sobre o assunto. Segundo os autores, a Petrobras, primeira estatal a se preocupar seriamente com a nacionalização de suas compras de equipamentos e componentes, adotou a partir dos anos 1960 a estratégia de reduzir sua dependência em relação aos fornecedores estrangeiros e atingiu índices de 90% de compras no mercado interno. “Mas a quebra do monopólio do petróleo nos anos 1990 criou um grande desafio para os fornecedores nacionais, de concorrência com competidores estrangeiros de alta capacidade financeira e tecnológica e grande escala.”
O obstáculo mais significativo imposto pela abertura do mercado, avaliam os autores, está fora do controle das empresas fornecedoras e diz respeito à questão tributária. A criação do Repetro permitiu aos investidores a importação de equipamentos sem o recolhimento dos impostos de importação, IPI e ICMS. Para compensar a vantagem tributária dessas importações, o governo criou o mecanismo de exportação ficta.”
“Fossem cobrados todos esses tributos, a atividade simplesmente ficaria inviável. Era fundamental recuperar a indústria naval no País, sucateada no passado. Além disso, estimulam-se o trabalho, a produção nacional, o aumento da renda no País e a capacidade de extração de petróleo”, diz o jurista Heleno Torres, professor titular do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da FACULDADE de Direito da Universidade de São Paulo. “Para reduzir custos de operações, estimular conteúdo nacional e proteger a indústria do petróleo, corretamente, o direito positivo brasileiro, por método jurídico perfeitamente válido para regimes aduaneiros especiais, admite o instituto das chamadas ‘exportações fictas’. Lamentavelmente, há muito preconceito, erros e falta de qualificação jurídica em muitas das críticas a essa modalidade.”
As plataformas, quando vendidas às sociedades estrangeiras, não deixam o País por serem objeto de um contrato de afretamento/leasing imediatamente após sua alienação, explica Torres. Trata-se de um mecanismo comum a todos os regimes aduaneiros, como o do drawback e o de admissão temporária, previstos há mais de 40 anos no Brasil, em conformidade com o anexo sobre subvenções e medidas compensatórias da Organização Mundial do Comércio. Há ainda a isenção por equiparação a exportações estabelecida pela Lei nº 9.432, de 1997.
O benefício do Repetro está diretamente relacionado à finalidade dos bens que ingressam no território nacional, ou seja, sua utilização deve estar vinculada à pesquisa e à produção das jazidas de petróleo, na forma da Lei nº 9.478, de 1997. Para Bernardo Gouthier Macedo, sócio-diretor da LCA Consultores, “esse sistema de exportação de plataformas de petróleo foi uma forma de incentivar a indústria doméstica para a Petrobras não precisar importar tais equipamentos, retendo divisas e capacidade industrial”.
Para o advogado, economista e contador Silvio Simonaggio, diretor da Simonaggio Advogados Associados, “os auditores independentes da empresa com as dimensões da Petrobras têm uma responsabilidade profissional mundial. Parece-me pouco razoável imaginar que essas empresas de auditoria aceitariam uma operação irregular”.

*Publicada originalmente na edição 820 de CartaCapital com o título "Assim é, se lhe parece"

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