sexta-feira, 1 de maio de 2009

Mídia quer jogar a sua falta de decoro sobre o Congresso


“Nunca houve farra de passagens”, diz o presidente da Câmara dos Deputados
O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), assinou ato estabelecendo novas regras para as cotas de passagens aéreas a que os deputados têm direito. Pela resolução, aprovada por unanimidade pelos líderes dos partidos, cada deputado poderá usar quatro passagens (ida e volta) para viajar entre seus Estados e Brasília. Em entrevista coletiva, Temer afirmou que “nunca houve farra de passagens”. O que havia, disse, era um sistema de regras diferente. O presidente da Câmara declarou que fez solicitação de pareceres à assessoria jurídica sobre supostas irregularidades.
Até agora, com exceção de um ou outro mais descuidado ou mais afoito, como o deputado Gabeira, que enviou a filha ao Havaí por conta de sua cota de passagens, nem essa mídia que aprontou o charivari em torno da questão, conseguiu revelar nenhuma irregularidade substancial. Aliás, ela nem se preocupou com isso.
Por exemplo, em sua última edição, o carro-chefe da baderna, a revista americano-afrikaaner “Veja”, dedicou 11 páginas à questão - e mais a capa, em estilo mussoliniano: uma sutil privada com o título garrafal, “Puxe para se livrar deles”. Eles, são todos os membros do Congresso.
Muito sintomático por parte de uma revista que é, sem grandes divergências a esse respeito, o esgoto da imprensa brasileira, ainda que seja uma dupla concessão chamá-la de imprensa e de brasileira.
Porém, em 11 páginas, editadas com o escândalo costumeiro, há meia dúzia de nomes, alguns que não fizeram nada de irregular e alguns poucos que, provavelmente, se excederam aqui ou ali – em geral, justamente, nomes que a mesma revista promovia há apenas duas semanas. Naturalmente, as 11 páginas são para dizer que todos os deputados – e senadores – primam pela “falta de honestidade, pudor, decoro, compostura e espírito público” (sic). Xingamentos, sem dúvida, não faltam. Prova que é bom, nenhuma.
O mesmo pode se dizer da cobertura da “Globo” - e de órgãos que entraram nessa fria seguindo os dois. Achar que o problema do Brasil é o deputado ACM Neto, corregedor da Câmara, ter levado consigo a mulher numa viagem a Paris, é coisa de débil mental. Pelo menos, o deputado levou a mulher – e a dele. Nem sempre acontece a mesma coisa nessa imprensa.
PEDRAS
Esse furdunço em cima de nada pode acabar revelando que nossos deputados são muito mais honestos do que muitos de nós pensávamos. Nesse sentido, não deixa de ter utilidade. Mas uma coisa é certa: se a “Veja” está jogando pedras nos deputados, é sinal de que os deputados devem ter razão. Juntar-se à “Veja”, nenhum homem decente pode. Seria como fazer de Jesus Cristo um discípulo de Nero.
Vejamos a “honestidade, pudor, decoro, compostura e espírito público” do Bob Civita, do grupo Abril, que publica a “Veja”. Em outubro de 2006, ele recebeu R$ 922 milhões da Telefónica de Espanha para ficar como seu “laranja” na TVA, burlando a lei, que proíbe empresas estrangeiras de possuir mais de 49% das ações de uma concessionária de TV a cabo.
A questão foi destrinchada numa sessão do Conselho Diretor da Anatel pelo conselheiro Plínio de Aguiar Júnior (V., p. ex., HP 10-14/08/2007). O escândalo TVA/Abril/Telefónica fez com que 182 deputados pedissem uma CPI para investigar os delitos, contravenções e crimes cometidos. A CPI somente não foi instalada graças aos serviços prestados (ou, talvez, à pura e simples pusilanimidade) do então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia. Em resumo, o grupo Abril passou o controle da TVA a uma empresa estrangeira, mas como a lei proibia o negócio, assinou um documento, comprometendo-se a votar nas assembléias de acionistas de acordo com as decisões de uma “reunião prévia” com a Telefónica.
Cobrou quase R$ 1 bilhão pelo negócio e continua, até hoje, a exercer seu papel de laranja, enquanto acusa deputados por algumas passagens de avião – a que, por sinal, eles tinham direito.
COTA
Toda a cota de passagens da Câmara monta a R$ 80 milhões por ano. Com as modificações anunciadas pelo presidente da Câmara, deverão ficar em cerca de R$ 63 milhões por ano. Considerando que os parlamentares que se excederam não chegam nem a 2% da Câmara (a “Veja” não conseguiu citar mais do que isso), o leitor poderá ter uma dimensão do que vale esse escândalo. Nenhum deputado cometeu uma ilegalidade, um crime, por R$ 1 bilhão. Quem fez isso foram os donos da “Veja”.
O mesmo fez a Globo com a NET: passou a propriedade para a Telmex (hoje uma subsidiária da americana AT&T), contra a lei e ficando como “laranja” na concessionária de TV a cabo. A Telmex comprou da Globo, através da Embratel, 38,01% das ações com direito a voto da NET. E através de outra companhia, a GB, comprou mais 24,99%. Portanto, tem 63% da NET. A Globo, há muito, é mero “laranja” da Telmex na NET, com o único intuito de burlar a lei.
São esses os moralizadores da Câmara, achacando deputados que usaram meia dúzia de passagens, enquanto enchem os bolsos - e outros lugares - com alguns bilhões, ilegalmente, criminosamente.
No entanto, resta saber que campanha estúpida é essa que, além de ter como objeto uma ninharia, atinge até (aliás, principalmente) aqueles que até ontem eram seus aliados.
Quanto a isso, é mais simples do que parece, amigo leitor. Essa ralé está cada vez mais sem espaço, cada vez mais reduzida à sua própria indignidade. Não há questão importante, no momento, em que eles consigam enganar a população – vide as homenagens e comemorações em torno do ministro Joaquim Barbosa, apesar dessa imprensa tratar o lastimável Gilmar Dantas, digo, Gilmar Mendes, como se fosse um Cícero.
Nem no Congresso, onde antes essa quadrilha midiática era tratada como Luís XVI antes da guilhotina, eles estão conseguindo grande coisa. E nem o Judiciário, a julgar pela reação de juízes, procuradores e promotores ao fâmulo de Dantas, essa mídia tem conseguido manipular.
Pelo contrário, em vez de fazer – isto é falsificar – a imagem dos outros, é a imagem dessa mídia que cada vez mais aparece como corrupta, golpista, inescrupulosa, venal, em suma, pútrida. A tal ponto que, ao ouvirmos tais palavras, elas soam hoje apenas como fatos, substantivos, e não como adjetivos.
Logo, berrar que todos são iguais, que todos são corruptos, venais e o escambau é o que lhes restou. Como o gambá, sua estratégia de fuga é aspergir sobre Deus e o mundo o próprio fedor. Mas isso não pode dar certo quando todos sabem quem é o gambá. Portanto, que a terra lhes seja pesada. E fria.
CARLOS LOPES

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