terça-feira, 2 de setembro de 2008

Delegado Lacerda é afastado da Abin até fim das investigações
Decisão saiu na reunião da coordenação do governo
A transcrição da conversa, publicada pela "Veja" no fim de semana, do atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, com o senador Demóstenes Torres pode ser qualquer coisa. Até o fim desta edição, nem mesmo aparecera uma gravação. Somente o que "Veja" publicou.
Mas, admitindo-se que houve o grampo, e que a conversa não foi uma encenação de dois maganos, qual a prova de que teria sido a Abin a operá-lo? Por que não poderia ter sido a Kroll, fachada da CIA que é a favorita de Daniel Dantas, elemento conhecido pela obsessão grampeadora? Ou até, diretamente, a CIA ou o FBI, que não são fãs do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, desde que este, quando chefe da instituição, acabou com a rede de subornos em dólar na PF, mas são muito chegados à "Veja"? Ou, por que não poderia ter sido algum outro picareta, desses que pululam nas hostes da oposição? Sem provas, qualquer dessas possibilidades é tão válida quanto dizer que foi a Abin.
No entanto, Mendes disse ao presidente Lula que tinha certeza de que era um grampo da Abin. Como é possível essa certeza sem provas, tão imprópria a um magistrado? Será vontade de derrubar o diretor da Abin, Paulo Lacerda, tal como é evidente na cruzada de "Veja"?
O presidente Lula afastou a direção da Abin até que se concluam as investigações. Esperemos que elas acabem rápido e que Paulo Lacerda e seus colegas voltem aos seus postos.
Entretanto, notemos algumas coisas: se a transcrição for realmente o resultado de um grampo, é o primeiro caso, como já disse alguém, de um grampo a favor - os dois grampeados se saem tão bem na conversa, como dois cidadãos muitíssimo preocupados com o cumprimento da lei, com o combate à pedofilia e outras moléstias sociais, que parecem dois clones de Salomão. Será que o objetivo do grampo era mostrar como Gilmar Mendes e Demóstenes são ínclitos, impolutos e de caráter sem jaça? Nisso, há algo muito parecido com o dossiê Álvaro Dias, em que tentou-se chicanear o governo com uma fabricação que promovia os próceres da oposição a relicários de quase todas as virtudes republicanas.
O diálogo entre Mendes e Demóstenes é exatamente o que eles dizem em público sobre os mesmos assuntos. Trata-se de um grampeador que, além de puxa-saco, é inútil, pois não revela nada, exceto a pantomina que todos já se cansaram de ver. Sobre a Abin, existe apenas a palavra do notório Policarpo Júnior, o poodle de rabo mais saliente entre os confeccionadores de factóides do Civita. Portanto, nada em que se possa confiar.
Mas vamos aos fatos: há mais de um ano "Veja" tenta emplacar a história de um suposto "grampo" no STF. O motivo é usar o Judiciário contra o governo, já que o golpismo foi derrotado no Legislativo.
Na primeira vez ("Veja" de 22/08/2007) havia capa acusando o governo e um título, "A sombra do estado policial", do mesmo Policarpo Júnior, prontamente desmentido pelos ministros do STF citados, com exceção de um: Gilmar Mendes. Uma frase deste é a única sustentação do texto: "A Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes".
A polícia é sempre um "braço de coação" do Estado sobre quem infringe as leis. Se a polícia não "coagisse" os criminosos, isto é, se não contrariasse a sua vontade, como poderia prendê-los? Ou será que Mendes é a favor de somente prender aqueles que estão com vontade de ser presos? A reclamação de que a PF está sendo "um braço de coação" parece revelar, portanto, que há aqueles a quem Mendes não admite que sejam presos. Realmente, ele não gosta que a PF seja "um braço de coação" sobre Daniel Dantas e outros da cepa.
Há um ano, Mendes acusava a PF; hoje, acusa a Abin. Podemos apontar duas coincidências: a primeira é que o diretor da PF quando Mendes a acusou chamava-se Paulo Lacerda. O diretor-geral da Abin até a última segunda-feira era o mesmo Paulo Lacerda. A outra coincidência é que ambas as acusações carecem de provas.
O que a "Veja" e Mendes, esta duradoura parceria, têm contra o delegado Paulo Lacerda? Naturalmente, que Lacerda não goste de ver a PF – ou a Abin – submetida a um outro poder político, este estrangeiro. Logo, consideram que a PF se tornou um outro poder porque não se submeteu ao mesmo poder que eles. Além disso, o delegado tem a opinião de que bandidos como Daniel Dantas devem estar na cadeia. Não é a mesma opinião de "Veja". Ou de Gilmar Mendes.
Mais de um ano depois da primeira tentativa, "Veja" traz o diálogo entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres. Em meio ao texto do poodle, uma frase de Mendes: "Não há mais como descer na escala da degradação institucional".
Certamente, ele não achou que havia degradação institucional quando Fernando Henrique liquidou a preço de xepa, e debaixo de subornos, o patrimônio público. Nem quando a Constituição foi rasgada, várias vezes, pelo mesmo Fernando Henrique. Pelo contrário, Mendes era o advogado-geral dessa sórdida promiscuidade.
Porém, se "não há mais como descer na escala da degradação institucional", forçoso é chegar à conclusão de que ele está propondo – ou, pelo menos, gostaria – de uma virada de mesa. Ou será que quer convivência pacífica com a "degradação institucional" e o "regime totalitário"? Certamente, não seria patriótico, nem cívico, nem republicano. Só sendo golpista para ser patriótico, cívico e republicano... E pensar que Mendes está na cadeira onde já se sentou o grande Orozimbo Nonato!

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