segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Cobiça e anarquia especulativa provocaram crise, afirmou Lula

“A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos”, declarou na ONU

No pronunciamento feito na abertura da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, o presidente Lula apontou os especuladores como os principais responsáveis pela grave crise que se abate hoje sobre a economia dos Estados Unidos. “A ausência de regras favorece os aventureiros e oportunistas, em prejuízo das verdadeiras empresas e dos trabalhadores”, denunciou. “É inadmissível, dizia o grande economista brasileiro Celso Furtado, que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, invariavelmente socializadas”, acrescentou.

“O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos”, afirmou Lula, enfatizando que “a economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores”. Ele ressaltou que organismos supranacionais – como Banco Mundial e o FMI – não têm autoridade, nem meios, para impedir a “anarquia especulativa”: “Devemos reconstruí-los em bases completamente novas”, defendeu. “Dado o caráter global da crise, as soluções que venham a ser adotadas deverão ser também globais, tomadas em espaços multilaterais legítimos e confiáveis, sem imposições”, propôs.

Lula chamou a atenção para a gravidade do momento e para as conseqüências nefastas da especulação financeira americana para o resto do mundo. Ele convocou a ONU a liderar as soluções para a situação. “Das Nações Unidas, máximo cenário multilateral, deve partir a convocação para uma resposta vigorosa às ameaças que pesam sobre nós”, disse. “Esta Assembléia realiza-se em um momento particularmente grave. A crise financeira, cujos presságios vinham se avolumando, é hoje uma dura realidade. A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos após a sucessão de naufrágios financeiros que ameaçam a economia mundial”, acrescentou.

Lula frisou que a crise que derrubou gigantes financeiros, como o Lehman Brothers, contrariou “os fundamentalistas do mercado”. Para o presidente brasileiro, “as indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política”. “Somente a ação determinada dos governantes, em especial naqueles países que estão no centro da crise, será capaz de combater a desordem que se instalou nas finanças internacionais, com efeitos perversos na vida cotidiana de milhões de pessoas”. “Uma crise de tais proporções não será superada com medidas paliativas. São necessários mecanismos de prevenção e controle, e total transparência das atividades financeiras”, sublinhou.

“O muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida como a possibilidade de construir um mundo de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas é triste constatar que outros muros foram se construindo, e com enorme velocidade”, denunciou Lula. “Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas, e até fascistas, que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados”, prosseguiu.

O presidente abordou também outros temas de importância para a população mundial e frisou que “há outras questões igualmente graves no mundo de hoje”. “É o caso”, disse ele, “da crise alimentar, que ameaça mais de um bilhão de seres humanos; da crise energética, que se aprofunda a cada dia; dos riscos para o comércio mundial, se não chegarmos a um acordo na Rodada de Doha; e da avassaladora degradação ambiental, que está na origem de tantas calamidades naturais, golpeando sobretudo os mais pobres”.

O presidente defendeu a unidade dos países sul-americanos e falou da criação da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). “Em meu continente, a Unasul, criada em maio deste ano, é o primeiro tratado – em 200 anos de vida independente – que congrega todos os países sul-americanos”, informou. “Com essa nova união política vamos articular os países da região em termos de infra-estrutura, energia, políticas sociais, complementaridade produtiva, finanças e defesa”, prosseguiu. Ele ressaltou “a capacidade de resposta rápida e eficaz da Unasul frente a situações complexas, como a que vive a nação-irmã boliviana”. “Respaldamos seu governo legitimamente eleito, suas instituições democráticas e sua integridade territorial e fizemos um apelo ao diálogo como caminho para a paz e a prosperidade do povo boliviano”, acrescentou.

Em entrevista coletiva, após o discurso de abertura da Assembléia Geral, Lula analisou o discurso do presidente dos EUA, George W. Bush, que ignorou olimpicamente a crise: “Achei que ele ia fazer um discurso de despedida e falar um pouco da crise econômica, o que o governo americano pretende fazer. Mas ele fez a opção por voltar a falar de terrorismo. Obviamente que, como sou defensor da autodeterminação dos povos e da soberania dos discursos dos presidentes, fui obrigado a ficar quieto”.
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