domingo, 26 de julho de 2009

REFLEXÕES DE FIDEL





O 30º aniversário sandinista e aproposta de San José
O golpe de Estado de Honduras, promovido pela extrema-direita dos Estados Unidos ― que mantinha na América Central a estrutura criada por Bush ― e apoiado pelo Departamento de Estado, não estava dando certo pela enérgica resistência do povo.
A criminosa aventura, condenada unanimemente pela opinião mundial e pelos organismos internacionais, não se podia sustentar.
A lembrança das atrocidades cometidas em décadas recentes pelas tiranias promovidas, instruídas e criadas em nosso hemisfério pelos Estados Unidos, estava ainda fresca.
Os esforços do império foram encaminhados durante a administração de Clinton e nos anos seguintes para impor a Alca em todos os países da América Latina, através das chamadas Cúpulas das Américas.
A tentativa de comprometer o hemisfério com um acordo de livre comércio fracassou. As economias de outras regiões do mundo cresceram a bom ritmo e o dólar perdia sua hegemonia exclusiva como divisa privilegiada. A brutal crise financeira mundial complicou a situação. Em meio a essas circunstâncias, teve lugar o golpe militar em Honduras, um dos países mais pobres do hemisfério.
Após duas semanas de crescente luta popular, os Estados Unidos manobraram para ganhar tempo. O Departamento de Estado indicou o presidente da Costa Rica, Oscar Arias, para auxiliar o golpe militar em Honduras, assediado pela vigorosa, porém pacífica pressão popular. Nunca um fato similar na América Latina tinha recebido tal resposta.
Nos cálculos do governo dos Estados Unidos pesava o fato de que Arias tinha o título de Prêmio Nobel da Paz.
A história real de Oscar Arias indica que se trata de um político neoliberal, talentoso e eloquente, sumamente calculador e aliado fiel dos Estados Unidos.
Desde os primeiros anos do triunfo da Revolução Cubana, o governo dos Estados Unidos utilizou a Costa Rica e lhe enviou recursos para apresentá-la como uma vitrina dos avanços sociais que se podiam atingir no capitalismo.
Esse país centro-americano foi usado pelo imperialismo como base para os ataques piratas contra Cuba. Milhares de técnicos e universitários cubanos foram afastados de nosso povo, que já estava submetido a cruel bloqueio, para prestarem serviços na Costa Rica. As relações entre a Costa Rica e Cuba se reataram há pouco; foi um dos dois últimos países do hemisfério a fazê-lo, o qual nos satisfaz, mas por isso não devo deixar de expressar o que penso neste momento histórico da nossa América.
Arias, procedente do setor rico e dominante da Costa Rica, estudou direito e economia num centro universitário de seu país, estudou e se formou depois como mestre em ciências políticas na Universidade inglesa de Essex, onde finalmente recebeu o diploma de doutor em ciências políticas. Com tais láureas acadêmicas, o presidente José Figueres Ferrer, do Partido Libertação Nacional, nomeou-o assesor em 1970, aos 30 anos, e pouco depois ministro de Planejamento, cargo em que foi ratificado pelo presidente que o sucedeu, Daniel Oduber. Em 1978, ingressou no Congresso como deputado desse Partido. Em 1979, foi promovido a secretário-geral, e presidente pela primeira vez em 1986.
Anos antes do triunfo da Revolução Cubana, um movimento armado da burguesia nacional da Costa Rica, sob a direção de José Figueres Ferrer, pai do presidente Figueres Olsen, tinha eliminado o pequeno exército golpista desse país e sua luta contou com a simpatia dos cubanos. Quando combatíamos na Serra Maestra contra a tirania de Batista, recebemos do Partido de Libertação, criado por Figueres Ferrer, algumas armas e munições, mas era muito amigo dos ianques e logo rompeu conosco. Não devemos esquecer a reunião da OEA em San José, Costa Rica, que deu lugar à Primeira Declaração da Havana em 1960.
Toda a América Central sofreu durante mais de 150 anos e ainda sofre desde os tempos do mercenário William Walker, que se declarou presidente da Nicarágua em 1856, por causa do intervencionismo dos Estados Unidos, que foi constante, apesar de que o povo heróico da Nicarágua conseguiu a independência, que está disposto a defender até o último alento. Não se conhece apoio algum da Costa Rica, depois que a atingiu, embora houvesse um governo desse país, ao qual, na véspera da vitória de 1979, coube a glória de ser solidário com a Frente Sandinista de Libertação Nacional.
Quando a guerra suja de Reagan dessangrava a Nicarágua, a Guatemala e El Salvador também tinham pagado um alto preço de vidas devido à política intervencionista dos Estados Unidos, que forneciam dinheiro, armas, escolas e doutrinação às tropas repressivas. Daniel nos contou que os ianques finalmente promoveram fórmulas que puseram fim à resistência revolucionária da Guatemala e de El Salvador.
Mais de uma vez, Daniel me comentou amargurado que Arias, executando ordens dos Estados Unidos, tinha excluído a Nicarágua das negociações de paz. Ele reuniu-se apenas com os governos de El Salvador, Honduras e Guatemala para impor acordos à Nicarágua. Por isso, expressava enorme gratidão por Vinicio Cerezo. Contou-me igualmente que o primeiro acordo foi assinado num convento de Esquipulas, Guatemala, em 7 de agosto de 1987, depois de dois dias de intensas conversações entre os cinco presidentes centro-americanos. Nunca falei publicamente sobre isso.
Mas, desta vez, ao comemorar-se o 30º aniversário da vitória sandinista em 19 de julho de 1979, Daniel explicou tudo com impressionante clareza, como fez com todos os temas ao longo de seu discurso, que foi escutado por centenas de milhares de pessoas e transmitido pela rádio e televisão. Utilizo suas palavras textuais: "Os ianques o designaram mediador. Sentimos uma profunda simpatia pelo povo da Costa Rica, mas eu não posso esquecer que, naqueles anos duros, o presidente da Costa Rica convocou os presidentes centro-americanos e não nos convidou"...
"Mas os outros presidentes centro-americanos foram mais sensatos e lhe disseram: Aqui não haverá plano de paz, se a Nicarágua não estiver presente. Pela verdade histórica, o presidente que teve o valor de romper o isolamento imposto pelos ianques na América Central ― onde os presidentes foram proibidos de conversarem com o presidente da Nicarágua e queriam uma solução militar, queriam acabar, através da guerra com a Nicarágua, com sua revolução — que deu esse passo valente, foi o presidente da Guatemala, Vinicio Cerezo. Essa é a história verdadeira".
A seguir, acrescentou: "Os ianques foram procurar o presidente Oscar Arias, porque já o conhecem!, para buscar como ganhar tempo, para que os golpistas começassem a fazer exigências que são inaceitáveis. Quando um golpista negociou com a pessoa a quem está arrebatando seus direitos constitucionais? Esses direitos não podem ser negociados, simplesmente, têm que restituir o presidente Manuel Zelaya, tal como disseram os acordos da ALBA, do Grupo do Rio, do SICA, da OEA e das Nações Unidas.
"Em nossos países, queremos soluções pacíficas. A batalha que o povo de Honduras está travando neste momento é uma batalha pacífica, para evitar mais dor da que já houve em Honduras", concluiu textualmente Daniel.
Em virtude da guerra suja ordenada por Reagan e que em parte ―ele me disse― foi custeada com drogas enviadas aos Estados Unidos, perderam a vida mais de 60 mil pessoas e sofreram invalidez outras 5.800. A guerra suja de Reagan deu lugar à destruição e ao abandono de 300 escolas e 25 centros de saúde; 150 professores foram assassinados. O custo beirou dezenas de bilhões de dólares. A Nicarágua dispunha apenas de 3,5 milhões de habitantes, deixou de receber combustível que a URSS lhe enviava e a economia se tornou insustentável. Convocou as eleições e, inclusive, antecipou-as, e respeitou o decidido pelo povo, que tinha perdido a esperança de preservar as conquistas da Revolução. Quase 17 anos depois, os sandinistas retornaram vitoriosos ao governo; há apenas dois dias comemoraram o 30º aniversário da primeira vitória.
No sábado, 18 de julho, o Prêmio Nobel propôs os conhecidos sete pontos da iniciativa pessoal de paz, que tirava autoridade às decisões da ONU e da OEA, e equivaliam a uma ata de rendição de Manuel Zelaya, restavam simpatia e diminuindo o apoio popular. O presidente constitucional enviou o que qualificou de ultimato aos golpistas, que os seus representantes deviam apresentar anunciando, por sua vez, o retorno de Zelaya a Honduras, por qualquer departamento desse país, no domingo, 19 de julho.
No meio-dia desse domingo, teve lugar em Manágua o gigantesco ato sandinista com históricas denúncias à política dos Estados Unidos. Eram verdades realmente transcendentes.
O pior é que os Estados Unidos depararam com a resistência do governo golpista a sua manobra edulcorante. Faltaria precisar o momento em que o Departamento de Estado enviou, por sua parte, uma forte mensagem a Micheletti, e se os chefes militares foram advertidos das posições do governo dos Estados Unidos.
A verdade é que para quem acompanha de perto os fatos, Micheletti se tinha insubordinado contra a paz, na segunda-feira. Seu representante em San José, Carlos López Contreras, havia declarado que a proposta de Arias não podia ser discutida, pois o primeiro ponto, isto é, a restituição de Zelaya, não era negociável. O governo civil golpista tinha tomado a sério seu papel e nem sequer percebia que Zelaya, privado de toda autoridade, não constituia risco algum para a oligarquia e politicamente sofreria um duro golpe, se aceitasse a proposta do presidente da Costa Rica.
No domingo, 19, quando Arias pediu mais 72 horas para explicar sua posição, a senhora Clinton falou telefonicamente com Micheletti e teve o que o porta-voz Philip Crowley qualificou de uma "ligação dura". Um dia saberemos o que lhe disse, mas bastaria ver o rosto de Micheletti, quando falou numa reunião de seu governo na segunda-feira, 20 de julho: parecia realmente o rosto de uma criança do jardim-de-infância repreendido pela mestra. Através da Telesul, assisti as imagens e os discursos da reunião. Outras imagens transmitidas foram as dos representantes da OEA pronunciando seus discursos nessa instituição, comprometendo-se a esperar a última palavra do Prêmio Nobel da Paz na quarta-feira. Sabiam ou não o que Clinton disse a Micheletti? Talvez sim, ou talvez, não. Talvez alguns, mas nem todos, sabiam disso. Homens, instituições e conceitos tornaram-se instrumentos da alta e arrogante política de Washington. Um discurso na OEA nunca brilhou com tanta dignidade como as breves, porém corajosas e inteligentes palavras de Roy Chaderton, embaixador da Venezuela, nessa reunião.
Amanhã, aparecerá a pétrea imagem de Oscar Arias explicando que elaboraram tal e tal proposta de solução para evitar violência. Penso que até o própio Arias caiu na grande armadilha montada pelo Departamento de Estado. Veremos que vai fazer amanhã.
Contudo, o povo de Honduras é quem dirá a última palavra. Nenhum representante das organizações sociais e das novas forças é instrumento de ninguém dentro ou fora do país, eles sabem das necessidades e sofrimentos do povo; suas consciências e sua inteireza se multiplicaram; muitos cidadãos que eram indolentes aderiram; os próprios afiliados honestos dos partidos tradicionais que acreditam na liberdade, na justiça e na dignidade humana julgarão os líderes, a partir da posição que adotaram neste momento histórico.
Ainda se ignora qual a atitude dos militares diante dos ultimatos ianques, e quais mensagens chegam aos oficiais; apenas há um ponto de referência patriótica e honorável: a lealdade ao povo, que suportou com heroísmo as bombas lacrimogêneas, os golpes e os disparos.
Sem que ninguém possa asegurar qual será o último capricho do império, se, a partir das últimas decisões adotadas, Zelaya retorna legal ou ilegalmente, sem dúvida os hondurenhos lhe darão umas calorosas boas-vindas, porque será uma medida da vitória que já atingiram com suas lutas.
Ninguém duvide de que apenas o povo hondurenho será capaz de construir sua própria história!

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