domingo, 19 de julho de 2020

FOI O PRESIDENTE JOÃO GOULART ,EM 1962, QUE DESIGNOU, DUQUE DE CAXIAS COMO PATRONO DO EXERCITO BRASILEIRO.

                                                                                                                                                                                   

PENSEMOS JUNTOS.

Nestes momentos de traição de parte da cúpula do exercito brasileiro, juntando-se aos traidores da pátria como Boçalnaro e sua quadrilha, é bom mostrar que Duque de Caxias jamais foi um traidor da pátria, sempre defendeu a independência do Brasil e sua unidade. Essa cúpula traidora, é a negação de Duque de Caxias e dos Guararapes, do qual Exercito brasileiro tem como referencia e inicio do Exercito nacional, que foi os Guararapes, que resultou na expulsão dos invasores holandeses. Aylton Mattos Movimento Getulista

O Duque de Caxias, por Capistrano de Abreu


Por Hora do Povo Publicado em 15 de maio de 2020





O texto que publicamos nesta página é o artigo escrito por Capistrano de Abreu, no centenário do Duque de Caxias, originalmente aparecido na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em 4 de agosto de 1903.


Como escreveu à sua esposa, a primeira impressão de Caxias, ao assumir o comando das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai, foram os hospitais, em que os nossos soldados morriam.





Como escreveu um oficial, que lá estava antes que Caxias assumisse o comando:


“Começando a grassar a disenteria, de modo assustador, e, atribuindo-se ao fato da distribuição da carne no momento de abatido o gado, este serviço passou a ser feito com antecedência de 12 horas, cessando o mal em erupção, para reaparecer mais tarde, transformando em cólera morbo asiático, bexiga pele de lixa, tifo e sarampo, tudo a um tempo” (cf. general José Luís Rodrigues da Silva, “Recordações da Campanha do Paraguai”, ed. Senado Federal, 2007, p. 51).


Poucos meses após o início da guerra, em julho de 1865, Osório escreveu ao ministro da Guerra, Ângelo Muniz da Silva Ferraz: “A peste é a maior inimiga que temos” (cf. Maria Teresa Garritano Dourado, “História Social da Guerra do Paraguai: fome, doenças e penalidades”, Albuquerque: revista de História, Campo Grande, MS, v. 3, nº 6, jul./dez. 2011, p. 131).





Os netos do general Osório, no segundo volume da biografia iniciada por seu pai, Fernando Luís Osório, transcrevem um documento de um dos seus ajudantes de campo, no dia em que assumiu o comando:


“Montevidéu 1° de Março de 1865. – Nesta data assumiu o Comando em Chefe o Ex. Sr. Brigadeiro Manoel Luís Osório. O Exército nesse dia, não passava de um caos de calamidades. A soldadesca nua, a oficialidade desgostosa em consequência da Ordem do Dia nº 17 que publicou o combate de Paysandu. Uns, pedindo justiça pelo desprezo ou olvido a que foram atirados seus serviços; outros, inspecionando-se de saúde e fazendo-se julgar inválidos; muitos a pedirem licença; enfim, a mágoa, o descontentamento era o que se manifestava desde os soldados até aos oficiais superiores” (cf. Joaquim Luís Osório e Fernando Luís Osório (filho), “História do General Osório”, segundo volume, Typographia do Diario Popular, Pelotas, 1915, p. 40, Exposição do alferes Francisco de Assis Trajano de Menezes, do 5° Regimento de Cavalaria Ligeira).





Esse quadro somente foi inteiramente revertido com a posse de Caxias, nomeado comandante do Exército do Brasil na guerra, após o desastre a que Mitre conduzira os três exércitos aliados em Curupaiti.


“… a partir da administração do exército pelo General Caxias, em 1867, houve um cuidado mais acentuado na hospitalização, ambulâncias e higiene na alimentação, vestuário apropriado, abrigo da tropa e asseio dos acampamentos. A morte por afogamentos, suicídios, doenças venéreas, pneumonia, lepra, raios, varíola, sarampo, impaludismo, diarreia, disenteria, tifo, cólera, sífilis, beribéri, tuberculose, insolação e febres malignas rapidamente disseminadas durante a guerra devido ao deslocamento de soldados, migrações de populações refugiadas e aos estupros da população feminina, ocasionaram uma mortandade nunca vista antes em campos de batalha e [segundo o general Dionísio Cerqueira, em suas Reminiscências da Campanha do Paraguai] ‘causavam mais mortes que a metralha paraguaia’” (cf. Maria Teresa Garritano Dourad, op. cit.).


Caxias era um líder militar que, mais do que odiava, sentia repugnância visceral pela mortandade, pelos banhos de sangue e pelos crimes de guerra. Qualquer recurso que preservasse ao máximo a vida, inclusive de inimigos, era, para ele, não somente válido, mas urgente, imprescindível.


Daí, a sua famosa proclamação, quando outra vez comandante no Sul, em 1851:





“Não tendes no Estado Oriental outros inimigos senão os soldados do general D. Manoel Oribe, e esses mesmos enquanto iludidos empunharem armas contra os interesses de sua pátria; desarmados ou vencidos, são americanos, são nossos irmãos e como tais os deveis tratar. A verdadeira bravura do soldado é nobre, generosa e respeitadora dos princípios de humanidade.”


Daí, também, seu apego à ciência, que ia da vacinação dos soldados contra a varíola – muito antes de Oswaldo Cruz determinar a vacinação obrigatória no Brasil – ao uso de balões para reconhecimento aéreo.


Esse perfil, correspondente ao perfil que os brasileiros desenhavam para si próprios desde antes da Independência, tornou-o o maior gênio militar brasileiro (e não falamos de que não existe genialidade militar sem genialidade política, porque essa é uma questão ainda em disputa, na nossa historiografia, que merece abordagem à parte).

Assim, preferiu levar dois anos reorganizando o Exército no Paraguai, começando pelo sistema de saúde, além de disciplinar as tropas. Era um comandante implacável com crimes e delitos de soldados e oficiais em suas tropas.

O ENSAIO DE CAPISTRANO

Em 1903, quando Capistrano de Abreu publicou seu artigo sobre o Duque de Caxias, este ainda não era o patrono do nosso Exército.

Capistrano, na opinião de ninguém menos que José Honório Rodrigues, foi o maior historiador brasileiro. Nas suas palavras:

“É especialmente com Capistrano de Abreu que se inicia a historiografia nova, expressão do Brasil novo, pois ao escrever os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil (1899), tema colonial ainda, ele rejeita a ênfase sobre as origens europeias e as relações europeias. Seu tema é inteiramente nacional, pois convidava os historiadores brasileiros a não centralizar o seu interesse nas comunidades do litoral, mas no interior, no próprio Brasil arcaico, é verdade, mas nas origens autônomas do Brasil novo: as minas, as bandeiras, os caminhos. A rejeição colonial está implícita no próprio tema colonial. Além disso, desde 1875 Capistrano considerava a Independência como a transformação da emoção de inferioridade a Portugal em consciência de nossa superioridade, embora sem modificar a emoção de inferioridade à Europa.

“Mas é sua orientação para a historiografia nova que nos interessa agora. Ele a enriqueceu, graças à sua formação, de novos conceitos: o de cultura substitui o de raça, seus estudos indígenas são atuais e renovam nossa etnografia; a importância da história social e dos costumes aparece pela primeira vez nos Capítulos [de História Colonial]; e o próprio sistema de casa-grande e de senzala e sua importância no Nordeste viu-o pela primeira vez em 1910. Ele sugeriu e indicou a seus amigos e discípulos novos problemas e teses, ainda não resolvidos, como a história do regime de terras, a história da legislação e do parlamento, a dos partidos, um dicionário e um atlas de história do Brasil (cf. José Honório Rodrigues, “Teoria da História do Brasil: introdução metodológica”, 5ª ed., Ed. Nacional, 1978, p. 34).


Nelson Werneck Sodré, apesar de apontar, na obra de Capistrano, “preconceitos, distorções, repetição de velhos erros de julgamento, omissões lamentáveis” – e, por alguma razão, emitir um julgamento que, em nossa opinião, está muito longe de ser exato (“Capistrano não acrescenta ao tratamento da História brasileira nenhum elemento fundamental, não a ilumina pela aplicação de um método, não a esclarece pela revisão de fatos, quanto ao conteúdo destes”) – diz, também, algo essencial sobre o historiador cearense:

“Na segunda metade do século XIX, na mesma medida em que instituições congêneres [do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro] começam a surgir nas Províncias, a historiografia assinala a tendência, que não era peculiar ao Brasil, de ver na História um gênero literário, apropriado ao discurso, à homenagem cívica.

“Ao aproximar-se o fim do século, a tendência é neutralizada em parte por outra, que leva à erudição, à pesquisa detalhista, ao exame dos documentos, à consulta de arquivos, à controvérsia minuciosa, destinada a regular pontos obscuros e dúvidas de pessoas e lugares acumuladas em quatro séculos. Os exemplos quanto à primeira tendência são numerosos. Quanto à segunda, o típico é Capistrano de Abreu, que faz escola” (cf. Nelson Werneck Sodré, “O Que Se Deve Ler Para Conhecer o Brasil”, 3ª ed., Civilização Brasileira, 1967, pp. 216-217).



Capistrano de Abreu




No texto abaixo, o leitor poderá conferir o que Capistrano concebia como historiografia – e como História.

Neste sucinto perfil do Duque de Caxias, é todo um desenrolar da História do Brasil que é exposto, sempre de acordo com documentos. Alguém (que nós, miseravelmente, esquecemos) já disse que, para Capistrano, a história era como um nó górdio, que cabia resolver (mas não, acrescentamos nós, pelo método de Alexandre, que era o de destruir o nó, desistindo de desfazê-lo).

Três anos depois de publicado, o artigo de Capistrano sobre o Duque de Caxias foi reproduzido na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Tomo LXIX, parte II, 1906).

Em livro, foi incluído na segunda série dos “Ensaios e Estudos (Crítica e História)”, de Capistrano de Abreu, na edição das obras do historiador cearense, organizada pela Sociedade Capistrano de Abreu, e publicada, em 1932, pela Editora Briguiet.

Existem muitos comentários possíveis ao texto de Capistrano sobre o Duque de Caxias – a começar pelo ápice do Império, que ele localiza, corretamente, a nosso ver, na década de 50 do século XIX.

Depois disso, veio a longa descida de ladeira da decadência monárquica, em direção à ditadura pessoal do “poder moderador”, até sua remoção, mais de três décadas depois, pela Revolução Abolicionista-Republicana.

Deixamos, por ora, de fazer outros comentários. O mais importante é o que se pode aprender sobre Caxias e sua época, com o trabalho de Capistrano de Abreu.

(CARLOS LOPES)
O Duque de Caxias


por J. CAPISTRANO DE ABREU


Há um século, em Magé, na baixada do Rio de Janeiro, nasceu Luiz Alves de Lima, a 25 de agosto, dia de S. Luiz, rei de França, de quem tomou o nome. Descendia de notável família em que cruzavam o elemento francês, o elemento português e o elemento nacional; pelo lado paterno como pelo lado materno dela saíram onze generais, no decurso de três gerações.

A 25 de novembro de 1908 sentou praça de cadete no regimento do seu avô José Joaquim de Lima e Silva; aos quinze anos foi promovido a alferes; terminados vantajosamente os estudos na Real Academia Militar, passou a tenente, ainda no tempo de D. João VI.

A retirada do velho rei para a Europa foi o despertar de um sonho agradável que durara treze anos. Metrópole e reino, o Brasil voltava a colônia. E as cortes portuguesas, com uma coerência democrática, honrada mas imprudente, começaram a obra de regeneração pelo trono e pelas cumeadas. No Brasil foram logo feridos em seus interesses os altos dignatários que circundavam o jovem príncipe regente, e em contato contínuo com este podiam incitar e incitaram seu temperamento impetuoso e impulsivo. Após breve hesitação, o representante de el-rei trabalhou contra o próprio pai; quem devia garantir obediência e fidelidade à metrópole, encabeçou o levante contra ela; a autoridade foi derrocada pelos órgãos da autoridade. Não seria a última vez na história da dinastia.

Desde que tinha a dirigi-la o príncipe regente, afastados os elementos que podiam afrontá-la, a ideia de independência lavrou subitânea no Brasil inteiro. Na Bahia, as tropas da metrópole resistiram com vantagem por algum tempo aos filhos da terra, reduzidas a seus únicos recursos. Socorros mandados do Rio realentaram os espíritos dos patriotas; a esquadra começou o bloqueio do porto da capital; a 2 de julho de 23, desanimados e derrotados, partiram para além-mar os últimos defensores do poderio lusitano. A resistência na Bahia teve ainda o resultado do benefício de levar a esquadra às alongadas regiões do NE, evitando assim que, em nossa história, houvesse separação, como sucedeu geralmente na América espanhola, ou que ficasse ainda na grande colônia livre alguma pequena dependência da metrópole, como sucedeu à solitária Cuba até nossos dias.

Na Bahia, Luiz Alves avistou-se com guerra pela primeira vez. Seus assentamentos mencionaram feitos de 28 de março, 3 de maio e 3 de junho de 23. Ali conquistou um dos títulos que mais prezava, o de veterano da independência. A 22 de janeiro do ano seguinte teve a patente de capitão.

Ao movimento de independência contra Portugal aderiram também as terras da banda oriental do Prata, incorporada ao Brasil pela força das armas, pelo cansaço dos motins e guerrilhas, pelas combinações diplomáticas e pelas afinidades geográficas. Em começo de 25 parecia resolvido de vez o litígio secular, levantado pela fundação da colônia do Sacramento, e sempre pendente e irritante, apesar de tantas campanhas e tantos tratados; quem só atendesse às manifestações oficiais juraria a indissolubilidade da união entre brasileiros e orientais.

Como iludiam tais aparências verificou-se desde abril do mesmo ano. Trinta e três patriotas, entre estes João Antônio de Lavalleja, desembarcaram no porto das Vaccas, junto à Colônia, internaram-se, angariaram adeptos, e já em setembro e outubro ganhavam as batalhas do Rincón de las Gallinas e Sarandi sobre as tropas imperiais. Ao apoio quase unânime da população agregaram-se auxílios e socorros vindos do outro lado do rio, primeiro clandestina, mais tarde publicamente, depois do império declarar guerra às províncias platinas. O bloqueio de Buenos Aires, fruto desta declaração, teve em resposta a criação de uma esquadra de pequenos vasos, que zombou da nossa alterosa Armada, e dezenas de corsários que feriam a golpes redobrados e terríveis nosso comércio marítimo, desrespeitando nossos mares.

O teatro da guerra passou do Uruguai para o Rio Grande do Sul, e as operações bélicas poderiam protrair-se indefinidamente, se a intervenção inglesa, em 1828, não trouxesse com a paz a criação da República Oriental, independente ao mesmo tempo do Brasil e da Confederação Argentina.

Luiz Alves tomou parte nesta campanha do sul, ao qual devia depois tornar mais de uma vez, sempre com mais glorioso renome e prestando novos serviços à pátria. De lá voltou major.

Como major, chegado a esta capital, comandou o batalhão do imperador, e assistiu bem de perto aos sucessos da abdicação de D. Pedro I. Embora seu pai fosse um dos chefes mais infensos ao fundador do império, ele conservou-se ao lado do soberano até o último momento. Compreendeu quanto havia de artificial na agitação, e sugeriu meios de jugulá-la; mas D. Pedro sentia-se contrafeito entre seus súditos, que lhe não perdoavam o pecado original de estrangeiro, nem acreditavam mais na sinceridade do seu constitucionalismo; via-se alheio, segregado do povo, tão outro das multidões entusiásticas do 22. Ao mesmo tempo ocorriam em Europa sucessos que lhe prometiam nova e mais brilhante carreira no velho mundo. Preferiu partir quando lhe seria fácil ficar, e talvez fosse melhor, tanto para ele como para o país.

Com a partida de D. Pedro, desencadearam-se as forças revolucionárias desde o Amazonas ao Prata. Um dos lugares mais flagelados, senão pela amplitude, certamente pela frequência das convulsões, foi esta muito heroica e leal cidade. E ninguém mais fez para arrancá-la ao caos elementar do que Luiz Alves de Lima, comandante da polícia militar durante longos anos.

Esta comissão espinhosa, desempenhada brilhantemente, deixou vestígios bem profundos em seu espírito. Aí aprendeu como é difícil governar, como qualquer pronunciamento, que se parece resolver uma dificuldade momentânea, na realidade acrescenta aos antigos novos problemas mais árduos. Sobretudo aprendeu a identificar-se com seus subordinados, a não querer para si glórias e triunfos de que a parte maior não lhes coubesse.

Teve de abandonar algum tempo este posto para, já tenente-coronel, acompanhar em 39 o ministro da Guerra ao Rio Grande do Sul.

Rebentara um movimento revolucionário em Porto Alegre a 20 de setembro de 35. O presidente, homem de incontestável coragem, não achou quem o ajudasse a resistir nem ali, nem na cidade do Rio Grande, onde, reconhecendo isto, embarcou sem demora para a corte.

Os revoltosos tomaram conta da capital; a força pública passou para seu lado; os recursos do Governo caíram em suas mãos; a maior parte da província tácita ou explicitamente aderiu. Um novo presidente, mandado logo, chamou a si parte dos levantados, reocupou a cidade de Porto Alegre que nunca mais saiu da legalidade, e o combate de Fanfa (4 de outubro de 36) pareceu terminar a revolta, pois nele foram vencidos e presos alguns dos cabecilhas mais influentes.

Desde o princípio os legalistas da província disseram que os sediciosos tinham em vista separar-se da comunhão brasileira e proclamar a república. Negou-o Bento Gonçalves uma e muitas vezes por documentos solenes em que aclamou a constituição e o jovem imperador. E parece que era realmente sincero, pois só depois dele preso em Fanfa, seus amigos e companheiros proclamaram a república em Piratini a 6 de novembro.

É duvidoso se isto lhes deu novos elementos de vitalidade e resistência. Mas Bento Manoel, o vencedor de Fanfa, não achando a seu gosto o novo presidente mandado para substituir seu parente José de Araújo Ribeiro, mais tarde visconde do Rio Grande, prendeu o presidente; Caçapava, evacuada pelas forças legais, foi tomada com os abundantes materiais bélicos que possuía, caiu em poder da República a cidade do Rio Pardo, chave da campanha, e a nova forma de governo, ou governicho, como então se dizia, consolidou-se por muito tempo.

Bento Gonçalves, na ausência eleito presidente da república, fugiu das prisões da Bahia e novamente pôs-se à frente de seus partidários. Em manifesto de 25 de setembro de 35 declarara por único objeto “sustentar o trono do jovem monarca e a integridade do império”. Agora, a 29 de agosto de 38, exprimia-se de outro modo: “Desligado o povo rio-grandense da comunhão brasileira, reassume todos os direitos de primitiva liberdade, usa desses direitos imprescindíveis, constituindo-se república independente, toma na extensa escala dos Estados soberanos o lugar que lhe compete pela suficiência de seus recursos, civilização e naturais riquezas, que lhe asseguram o exercício pleno e inteiro de sua independência, eminente soberania e domínio, sem sujeição ou sacrifício da mais pequena parte dessa mesma independência ou soberania a outra nação, governo, ou potência estranha qualquer. Igual aos Estados soberanos seus irmãos, o povo rio-grandense não reconhece outro juiz sobre a terra, além do autor da natureza, nem outras leis, além daquelas que constituem o código das nações”.

O ministro da Guerra, a quem Luiz Alves acompanhou, parece não ter achado particularmente grave a situação, pois, chegando na província em fins de março, já em fins de maio se retirava para esta capital. É de supor que esta visão rápida não fosse perdida para o jovem sisudo tenente-coronel e desde já pensasse nos meios de desatar ou cortar o nó, se algum dia lhe coubesse tal incumbência. Hipótese aliás pouco provável então, pois ninguém pensava que o governicho durasse ainda muito tempo.

Neste mesmo ano elevado a coronel, Luiz Alves foi encarregado de pacificar a província do Maranhão, no caráter de presidente e comandante das armas.

A 13 de dezembro de 38, na vila da Manga de Igará, o vaqueiro Raimundo Gomes, vulgo Cara Preta, “figura insignificante, quase negro, a que chamamos fula, baixo, grosso, pernas arqueadas, testa larga e achatada, olhar tímido, humilde” que tinha a habilidade de fazer pólvora, arrombou a cadeia da vila e soltou os presos. A 2 de janeiro de 39, no Brejo, Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, vulgo Balaio, coloca-se à frente de rebelados e começa a semear destruições e mortes. Um preto Cosme, que se assina “D. Cosme, tutor e imperador das liberdades bemtevis”, chega a aliciar três mil escravos. Tais os cabeças mais salientes desta conclusão conhecida por Balaiada, de nome de um dos seus chefes.

D. Cosme, intitulando-se “tutor e imperador das liberdades bemtevis”, como negro pernóstico fugido das cadeias da capital, insinuava-se representante do partido que tinha por órgão na imprensa o periódico Bemtevi. Mas a desordem só teve alguma coisa de política no Piauí, onde encarnou sérios esforços para sacudir o jugo de ferro do barão da Parnaíba. No Maranhão foi obra social ou, se a palavra parecer muito ambiciosa, etnográfica. Era um protesto contra o recrutamento bárbaro, começado desde a guerra da Cisplatina em 25, contra as prisões arbitrárias, contra os ricos prepotentes, contra todas as violências que caíam sobre os pobres desamparados negros, índios, brancos miseráveis. Duas filhas de Balaio tinham sido defloradas por um oficial da força pública, e daí sua avidez de vingança, a sanha de desagravo. O Cara Preta levantou-se para libertar um irmão preso.

Gente desta não se inspira em política, porque sua ação é contra a política. Podem os Balaios pedir que se acabe com as prefeituras, que se respeite a Constituição, que se expulsem portugueses, tudo isto não passa de oitivas mal decoradas. Sua verdadeira inspiração é matar, destruir, queimar e deixar-se matar como tinha sido na Cabanagem do Pará e entre os Cabanos de Pernambuco, como ia sucedendo com os Quebra-kilos da Paraíba e ainda não há muito se verificou nos santos de Canudos.

Entretanto, essa massa caótica por duas vezes tomou Caxias, cidade opulenta e populosa situada a meio caminho dos que viajam do Maranhão a Bahia, e eram muitos naquela época, pois a navegação de vela não oferecia segurança na costa de N. E., graças ao regime dominante de ventos; esta massa caótica invadiu duas províncias, intimidou a tal ponto a cidade de S. Luiz que o presidente mandou encravar as peças de artilharia para não caírem em seu poder.

“Meu ilustre antecessor”, escreveu mais tarde Luiz Alves de Lima, “entregando-me a presidência desta província, assegurou-me que seis mil rebeldes naquela época a devastavam, número sempre crescente, e nunca maior antes daquela data, porque se alguns se entregavam ou eram capturados, outros em maior cópia se levantavam e os substituíam; e isto mesmo se deduz de sua correspondência oficial, que na secretaria deste governo se acha. Mostrou-me depois a minha própria experiência que bem longe estava de ser exagerado este cômputo, como a princípio julguei, a ponto de acreditar que só existiam três a quatro mil. Se calcularmos em mil seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o número dos capturados e aprisionados, durante o meu governo, passante de quatro mil e para mais de três mil os que reduzidos à fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação de decreto de anistia, temos pelo menos oito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos, que com as nossas tropas lutaram e dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda esta província o sabe.”

Partindo do Rio a 22 de dezembro de 39, só a 5 de fevereiro do ano seguinte pôde Luiz Alves chegar a seu destino, por causa de contratempos de diversa ordem, que o detiveram. A 7 tomou posse e começou logo a reparar os numerosos abusos que encontrou, dispôs as forças em três colunas principais, de que deviam separar-se colunas volantes para atacar os diversos pontos onde os Balaios aparecessem. A 7 de março saiu pela primeira vez da capital, indo por Icatú até Vargem Grande. Mais outras viagens fez sempre que lhe pareceu necessário, ora a um, ora a outro ponto, como em Itapecuru-Mirim onde reprimiu, severamente, parte da força pública levantada, por atraso em pagamento de soldadas.

A mais longa de suas excursões foi a Caxias, a antiga princesa do Itapecuru, duas vezes violada, que o recebeu como um salvador.

Graças à mobilidade das forças avulsas, à habilidade com que harmonizou seus movimentos, à providência com que impediu a passagem dos Balaios para o Pará e Goiás, foi por toda a parte vitorioso e em pouco tempo foram aparecendo os lineamentos da nova ordem. A deserção, o desânimo se estabeleceu entre os combatentes do desespero; a anistia facilitou o desfecho. A 29 de janeiro de 41, Luiz Alves proclamou a província pacificada.

No meio destas labutações não se esqueceu que além de chefe militar era também chefe civil. Reuniu a Assembleia e com ela colaborou, começou edifícios, mandou explorar rios.

A 13 de maio entregou o poder ao seu sucessor com um relatório em que se lê:

“Posto seja a guerra uma calamidade pública, e ainda mais a guerra civil, também é às vezes um meio de civilização para o futuro, e a par de seus males presentes alguns germens de benefício deixa. Pela rapidez dos movimentos e contínuas marchas comunicam-se os homens, estreitam-se as relações e os ânimos inertes se vigoram. Algumas pontes se levantaram no teatro das operações militares; citarei por exemplo a de Páulica, de mais de cem pés de comprimento, feita toda pelos soldados da 2ª coluna, sem nada despender a fazenda pública. As vilas se entrincheiraram e a faxina limpou as matas de vegetação ociosa que as invadia e sobre ela acumulava os vapores contrários à saúde; ativaram-se os correios, aumentou-se a necessidade de correspondência, e esta repartição rende hoje mais que em outros tempos.”

Diz ainda melancolicamente: “Não me ufano de haver mudado os corações e sufocado antigos ódios de partido, ou antes de famílias, que por algum tempo se acalmam e como a peste se desenvolvem por motivos que não prevemos ou que não nos é dado dissipar”.

Entretanto, ocorreu nesta capital um sucesso das mais graves consequências. O regente, eleito por um quatriênio, devia governar até 42; o herdeiro da coroa, pela Constituição, só podia subir ao trono aos dezoito anos, isto é, em 43. Isto pareceu muito tempo ao partido inimigo do regente e começou a agitar a ideia de reconhecer-se a maioridade do imperador antes do prazo legal. Neste sentido foi apresentado um projeto ao parlamento, que o rejeitou; mas os maioristas souberam captar o assentimento do jovem monarca, e adiadas as Câmaras, quando o lance parecia irremediavelmente perdido, de chofre, como por mágica, tudo saiu à medida dos desejos dos conspiradores. A 23 de julho de 40 D. Pedro II começou a reinar.

O ministério organizado, como é natural, de maioristas, entre os quais avultavam os dois irmãos Andradas, figuras lendárias da independência e do primeiro império, tinha a esperança e julgava-se capaz de serenar os ânimos, sempre agitados no Rio Grande do Sul.

Enganara-se o ministro da Guerra em 39, se pensou com sua aparição fugaz ter modificado vantajosamente a situação.

Em julho, com a tomada de Laguna, a república rio-grandense conquistava afinal um porto de mar, que até então não conseguira, graças à esquadra legal; proclamada a república catarinense, encontrava outro sócio de aventuras: uma marinha aparelhada às pressas por José Garibaldi, desfraldou seu pavilhão no oceano. No interior, Porto Alegre continuava cercada. Em diversos recontros, como em Forquilha e Taquari, os legalistas levaram a melhor; nem por isso a posição do governicho se tornara precária, e o fato de tanto tempo haver resistido ao império, dava-lhe força, e uma confiança extraordinária no futuro. Só em Santa Catarina a legalidade se restabeleceu facilmente de uma só vez; a república extinguiu-se mais depressa ainda do que nascera.

O ministério maiorista mandou ao Rio Grande do Sul um emissário, o benemérito paulista Francisco Álvares Machado, incumbido de encarecer a maioridade, os novos homens que se achavam à frente da governança e pregar a boa nova da conciliação e da paz. Pondo-se em correspondência e depois em contato direto com os inimigos do império, Álvares Machado convenceu-se de que passara a era da intransigência, e voltou com um ramo de oliveira. Para levar a termo sua missão pacificadora, foi nomeado presidente da província, ao mesmo tempo que o general João Paulo dos Santos Barreto seguia para comandar em chefe o exército legal.

Tomaram ambos posse em novembro de 40. Logo as felicidades começaram a sumir-se, os equívocos se desfizeram, as promessas ficaram burladas.

Bento Gonçalves desejou sinceramente voltar à comunhão, mas, como tantas vezes se observa, o chefe só era obedecido porque obedecia às vontades dos que se diziam seus subordinados. Por detrás do velho militar agitava-se um elemento novo e insofrido, que queria a república ainda antes de Fanfa, e este elemento triunfou. Já a 7 de dezembro Álvares Machado declarava rotas as negociações e preparava-se para lutar. João Paulo pisou o território ocupado pelos rebeldes, mostrando que podia fazê-lo sem ser aniquilado imediatamente como eles blasonavam.

A esta primeira decepção do ministério maiorista juntou-se logo outra ainda mais mortificante, a de ser despedido depois de apenas oito meses de exercício e ver chamado ao poder o partido contra o qual montara o golpe de Estado. Foi este o verdadeiro motivo das sedições que no ano seguinte rebentaram em S. Paulo e Minas Gerais e foram encomendadas para Pernambuco e Ceará.

De esmagá-la em S. Paulo foi incumbido o barão de Caxias que, desembarcando em Santos, transpôs a serra de Cubatão, dirigiu-se a Sorocaba e aí de um só golpe restabeleceu a ordem. Mais devagar andou em Minas Gerais, onde o incêndio tivera tempo para se propagar; mas aí a batalha de Santa Luzia mostrou breve que passara o tempo das revoluções fáceis e que, se a regência fora a tempestade, o império podia e queria ser a bonança.

Estas duas campanhas tão rapidamente ganhas legitimaram a promoção do barão de Caxias a marechal de campo, e indicaram seu nome como o do homem capaz de chamar novamente os rio-grandenses ao seio da pátria grande pela qual tantas vezes derramaram seu sangue desde a época colonial.

A situação era em suma a mesma que deixara Álvares Machado. As tropas mandadas pelo interior sob o comando do encaiporado Labatut, general de Napoleão, não deram o que se esperava. Os combates tanto tinham de numerosos como de pouco decisivos. Se a gente da legalidade não desanimava, os defensores do governicho não se sentiam exaustos; aqueles não podiam ser desapossados do litoral, estes continuavam a dominar na campanha.

Caxias tomou posse da presidência e do comando do exército a 9 de novembro de 42. A 11 de janeiro do ano seguinte, atravessa o rio S. Gonçalo sob os olhos de Neto, que não o pôde impedir. Bento Manoel, o vencedor de Fanfa, volta ao serviço e em Ponche Verde mostra que a vitória continuava sua fiel companheira. A discórdia se introduz entre os fundadores da república. A fronteira ocupada tira ao inimigo os recursos de que se alimentava; encerrado dentro do próprio território é por fim obrigado a bater-se. O combate de Porongo, em novembro de 44, produz o desejado efeito sedativo. Começam a sério as negociações. A 1 de março de 45 Caxias proclamava pacificada a província do Rio Grande do Sul.

Abrindo a assembleia provincial, assim apreciava o que tinha feito:

“Em 9 de novembro de 1842 tomei posse da presidência desta província e do comando em chefe do exército em operações, para que tinha sido nomeado por carta imperial de 28 de setembro daquele ano. A revolução que nesta província fizera sua explosão em 20 de setembro de 1825, por motivos que a história um dia relatará, adquirira na sua já tão longa duração novos incrementos, redobrava suas expectativas e refazia suas forças, sem que nada anunciasse o fim de sua torrente, apesar do muito que para isso se fazia.

“Assim achei a província como bem o sabeis.

“No campo era o pleito, e o exército imperial me chamava à sua frente para abrirmos a campanha.

“Depois de dar todas as providências para que minha ausência da capital da província não transtornasse a marcha dos públicos negócios, saí no dia 25 de janeiro de 1843 para o exército, e desde logo encetei as operações, não como o único meio de chamar os dissidentes à ordem, mas como um meio auxiliar da política de conciliação que empregava e que sempre empreguei em iguais casos para poupar sangue de irmãos; porquanto repetidos exemplos nos têm mostrado que nascendo a divergência e a desordem das ideias e das paixões do tempo, o tempo as gasta, e a palavra e a persuasão que as propagam também por sua vez as destroem e por fim reúnem-se os homens em uma mesma crença, abjurando seus passados preconceitos, filhos do tempo e da falta de experiência, e muito mais ainda quando os ligam os santos laços da confraternidade.

“Com este pensamento fiz a guerra, que durou ainda dous anos da minha presidência; e com este pensamento desenvolvido e posto em ação sem jamais ser desmentido, está em paz esta parte do império; e em tão boa e consolidada paz, que após nove anos e meio de uma guerra que apenas terminou em 28 de fevereiro de 1845, francamente se pode atravessar toda esta vasta campanha, sem se encontrar um só homem armado que ainda dispute sobre exageradas ideias, que já o tempo consumiu.

“Todas as autoridades civis estão restabelecidas no exercício de suas funções constitucionais; a paz reanima todos os ramos da pública felicidade; e o espírito novo, nascido do seio da desordem, enriquecido com a dolorosa experiência do passado, apregoa as vantagens da monarquia constitucional representativa.

“Esta tão extraordinária metamorfose é devida em parte ao caráter franco e leal da maioria do povo rio-grandense, caráter que sempre conservaram os legalistas e os dissidentes. No campo os conheci; gente brava, digna de fazer parte da união brasileira! Além de que são todos os brasileiros humanos, sinceros, entusiastas e aferrados ao seu país, fáceis em perdoar, em esquecer e em conformar-se com as ocorrências do tempo.”

Os serviços feitos na pacificação do Rio Grande tiveram como galardão ser elevado a conde de Caxias e promovido a marechal de campo efetivo. A província elegeu-o na lista tríplice para senador, e desde 46 até a morte representou-a no Senado.

Em junho de 51 o conde de Caxias foi nomeado novamente presidente e comandante do exército do Rio Grande do Sul. Não se tratava agora de luta civil, mas de garantir a independência do Uruguai, ameaçada por Manoel Oribe, instrumento de Rosas, o ditador e tirano argentino. Tomando posse de seus cargos em Porto Alegre a 30 do mesmo mês, começou os preparativos para invadir a fronteira. Pôde transpô-la a 4 de setembro. No quartel general de Cunhaperu assim definiu a seus soldados a missão que iam cumprir:

“Não tendes no Estado Oriental outros inimigos senão os soldados do general D. Manoel Oribe, e esses mesmos enquanto iludidos empunharem armas contra os interesses de sua pátria; desarmados ou vencidos, são americanos, são nossos irmãos e como tais os deveis tratar. A verdadeira bravura do soldado é nobre, generosa e respeitadora dos princípios de humanidade. A propriedade de quem quer que seja, nacional, estrangeiro, amigo ou inimigo, é inviolável e sagrada; e deve ser tão religiosamente respeitada pelo soldado do exército imperial como a sua própria honra. O que por desgraça a violar, será considerado indigno de pertencer às fileiras do exército, assassino da honra e reputação nacional e como tal severa e inexoravelmente punido.”

Continuou a marcha para Montevidéu; não foi, porém, preciso que entrasse em ação, porque as forças de Oribe foram se rendendo a Justo Urquiza, governador de Entre Rios, criatura de Rosas, agora revoltada contra o criador.

A esta rápida campanha na banda oriental do Prata, seguiu-se a guerra contra Rosas, que, desde anos, cobria de sangue e ruínas as terras argentinas, de que se constituirá tirano, defendendo-as contra os “imundos e asquerosos unitários”. Justo Urquiza, declarado “louco, traidor e selvagem unitário”, em lei promulgada pela “Honrada Sala de Representantes”, conhecia bem a fragilidade do colosso, nas aparências inabalável, e mais prestigioso e forte ainda depois de ter burlado a intervenção armada de França e de Inglaterra.

Bastaram a passagem de Toneleros, realizada por nossa esquadra, e a batalha de Montes-Caseros (3 de fevereiro de 52), onde combateu uma divisão brasileira mandada por Marques de Souza, futuro conde de Porto Alegre, para apeá-lo. Rosas fugiu para bordo do vapor inglês Centaur, acolheu-se à hospitaleira Inglaterra e aí, anos mais tarde, terminou placidamente sua negregada existência. Hoje procuram reabilitá-lo.

Tão rápidas andaram as duas campanhas libertadoras que já a 4 de junho de 52 o conde de Caxias entregava em Jaguarão o comando interino do exército ao barão de Porto Alegre. Neste mesmo ano foi elevado a marquês de Caxias e a tenente general.

A nova situação resultante da derrota de Oribe e Rosas liquidou-se sem dificuldades particulares na Confederação Argentina; o mesmo se não deu no Uruguai, terreno apropriado à caudilhagem e guerrilhas por sua situação entre dois países, donde lhe vêm incitamentos incessantes para novas perturbações, para onde se recolhem os guerrilheiros quando se vêm mal amparados em sua desditosa pátria.

O combate de Quinteros (28 de janeiro de 58) assegurou por algum tempo o predomínio dos Blancos, pois todos os chefes colorados feitos prisioneiros foram sumariamente degolados; mas o general Flores, que emigrara para a Argentina e lá parecia esquecido de suas antigas ambições, renovou a façanha dos Trinta e três, desembarcando com poucos partidários no Rincón de las Gallinas a 14 de abril de 63.

A revolução rebentou violenta. O governo oriental denunciou ao do Brasil a parte ostensiva tomada por brasileiros na empresa de Flores. Novas queixas, recriminações de parte a parte, o avivamento de antigas feridas levaram a uma situação tensa que terminou pelo ultimatum Saraiva, a aliança do Brasil com Flores, o bombardeamento de Paisandú, a queima acintosa em Montevidéu de todos os tratados e convenções assinados entre o Brasil e a Banda Oriental, a vitória de Flores e a entrega de Montevidéu.

Foi o prólogo do drama sanguinolento que ia começar. Francisco Solano López, ditador do Paraguai, interveio a favor da República Oriental, e vendo desprezada sua intervenção, apossou-se do vapor Marquês de Olinda que ia para Cuiabá, invadiu o sul de Mato Grosso, penetrou pelo território argentino de Entre Rios e Corrientes e, atravessando o Uruguai, apossou-se de parte do Rio Grande do Sul.

Foi declarada a guerra, em que o Brasil, a Argentina e o Uruguai entraram aliados. A batalha naval do Riachuelo, o combate de Yataí e a tomada de Uruguaiana prenunciaram campanha rápida, cheia de encontros decisivos. Puro engano: o tratado da tríplice aliança é de 1º de maio de 65; a morte de López e o fim da guerra só ocorreram em março de 70.

Desde o comêço foi lembrado o nome do marquês de Caxias para o comando em chefe das forças brasileiras. Considerações políticas da parte dos governantes, melindres pessoais da parte do velho general arredaram esta solução. Foi preciso o desastre de Curupaiti para impô-la.

O marquês se apresentou em Tuiuti em novembro de 1866, e desde logo foi fazendo o que lhe permitiam sua situação de subordinado ao comando em chefe do general Mitre (fruto do tratado da tríplice aliança), o cólera que devastava o exército, a natureza traiçoeira do terreno inóspito, o mais fiel e seguro aliado do ditador sanhudo. Quando o general Mitre, chamado à pátria pela morte do vice-presidente, o deixou comandante geral do exército aliado, pôde continuar a obra com maior vigor. De seu comando dos Permanentes na mocidade ficara-lhe a convicção de que mais vale organizar vitórias do que ganhá-las, e é preferível ser Carnot a ser Bonaparte. Mas sabia também ganhá-las: Itororó, Lomas Valentinas bastariam para prová-lo, se restasse alguma dúvida possível.

A 24 de dezembro de 68 os comandantes do exército aliado escreviam a López: “O sangue derramado na ponte de Itororó e no arroio Avaí devia ter persuadido V Ex. a poupar as vidas dos seus soldados no dia 21 do corrente, não os forçando a uma resistência inútil. Sobre a cabeça de V Ex. deve cair todo esse sangue, assim como o que tiver de correr ainda, se V Ex. julgar que o seu capricho deve ser superior à salvação do que resta do povo da República do Paraguai. Se a obstinação cega e inexplicável for considerada por V Ex. preferível a milhares de vidas que ainda se podem poupar, os abaixo assinados responsabilizam a pessoa de V. Ex. perante a República do Paraguai e o mundo civilizado pelo sangue que vai correr a jorro e pelas desgraças que vão aumentar as que já pesam sobre este país”.

E o ditador respondia-lhes: “VV. EEx. Julgam dever recordar-me que o sangue derramado em Itororó e Avaí deveria ter-me determinado a evitar o que correu no dia 21 do corrente. VV. EEx. esqueceram sem dúvida que estes mesmos atos podiam de antemão provar quão certo é o que acabo de ponderar sobre a abnegação de meus compatriotas, e que cada gota de sangue que cai em terra é uma nova obrigação contraída pelos que vivem. VV. EEx. não têm o direito de acusar-me perante a república do Paraguai, porque a defendi, a defendo e continuarei a defendê-la. Ela me impõe este dever e eu me orgulho de levá-lo até à última extremidade, e de mais, legando à história meus atos, só a meu Deus devo contas”.

Depois desta tentativa frustrada, rendida Angostura, ocupada a capital do Paraguai, o marquês de Caxias deu sua missão por terminada. Continuar a guerra era colaborar com López para o aniquilamento da nação. Prendê-lo, era tarefa somenos, de capitão do mato, para quem tinha atrás de si o seu passado altivo. A rato velho gato novo, diz a sabedoria popular e que seria difícil achar um, e de fato se achou.

A 14 de janeiro de 69 Caxias mandou seguir uma expedição para Mato Grosso; a 19 tomou o vapor; a 24 chegou a Montevidéu. No dia 9 de fevereiro escreveu a ordem do dia de despedida, a 15 chegou a esta capital. Foi nomeado duque de Caxias pelos relevantes serviços prestados na guerra do Paraguai. Já era marechal do exército efetivo.


***

Eleito e escolhido senador pelo Rio Grande do Sul, Caxias alistou-se no partido de Vasconcelos, Paraná e Euzébio. Convidado para entrar em mais de um gabinete, recusou sempre, até Paraná conseguir fazê-lo ministro da Guerra a 6 de junho de 55.

Foi um decênio memorável o de 50. O imperador contava vinte e cinco anos e a nação sentia-se igualmente moça. Terminara o período revolucionário, guerras estrangeiras felizes varreram a atmosfera, a extinção do tráfico tolhia novos insultos da soberania nacional, encurtava a distância do velho mundo com a navegação a vapor do Atlântico. Mauá canalizava milhões esterlinos, silvavam as primeiras locomotivas; as letras rasgavam os clássicos andrajos coloniais; falava-se em ópera nacional, em teatro nacional. João Caetano figurava de novo Moisés; três poemas épicos andavam em elaboração, havia quem escrevesse tragédias; na comissão científica do Norte não se admitiu um só estrangeiro, porque brasileiros bastavam e haviam de fazer melhor obra que os pobres Martius e Saint-Hilaire; o Instituto Histórico fitava sem acanhamento o Instituto de França; afinal delia-se a mácula original da nossa gente, a “apagada e vil tristeza”, de que já se queixava o épico lusitano, e Paraná, o político realista e prático, se empenhava em conciliar os partidos políticos.

Paraná pensava em conciliação de partidos e parecia desejá-la realmente. Caxias ajudou-o por sua parte, fazendo na pasta da Guerra todo o bem que pôde a seus camaradas, reformando as partes carunchosas do exército, procurando torná-lo realmente eficaz.

Depois da morte do poderoso marquês, assumiu a presidência do conselho e presidiu às novas eleições, em que pela primeira vez foi executada a lei dos círculos, essa lei de que esperava maravilhas a ingenuidade nunca escarmentada de nossos estadistas de boa fé.

Pela segunda vez organizou gabinete com Paranhos em março de 61 e esteve à frente dos negócios até abrirem-se as Câmaras, em maio do ano seguinte. Na realidade era tão pouco político que, ao começar a guerra, interrogado por um ministro liberal se queria partir para o Rio Grande do Sul, declarou estar pronto a seguir sem demora, se fosse nomeado ao mesmo tempo presidente da província, porque só com este título teria competência para mover a guarda nacional, sem a qual nada poderia.

Encarregado do comando do exército, esqueceu-se inteiramente da política, mas seu exemplo não foi seguido, nem por amigos, nem por inimigos. Principalmente a partir de 68, quando com a queda inesperada do partido liberal rebentou uma intemperança de linguagem, um fogo de paixão que se propagou até a Sibéria senatorial, não lhe pouparam golpes; contrista ler o discurso em que se defende das misérias que lhe assacaram.

Antes anos de dura guerra do que meses de gabinete, — dizia amargamente, resumindo experiências dolorosas. Nem mesmo a vaidade poderia levá-lo a voltar de novo a governar, pois a nada mais poderia aspirar depois da morte da duquesa, D. Ana Luísa Carneiro Viana. “Perdi o maior bem que neste mundo gozava, a minha virtuosa companheira de 41 anos, no dia 23 de março de 1874”.

Entretanto, em 1875, depois da queda do gabinete que com o voto de Caxias libertou o ventre escravo, teve de organizar ministério por instância do Imperador, ansioso para ver e ser visto nos Estados Unidos, e que dizia não fazê-lo com segurança se não deixasse o Estado nas mãos firmes do pacificador de quatro províncias, do lidador da libertação de três nações vizinhas. Enquanto o Imperador andou por fora, montava guarda ao Trono. À sua chegada, pediu para ser rendido, pois suas enfermidades não lhe permitiam mais tais serviços.

O modo por que o soberano exigiu a retirada “do resto do ministério” foi a afronta final. Desde então, não fez mais que vegetar. Mas na agonia lenta, que terminou na fazenda de Santa Mônica a 7 de maio de 1880, ele que assegurara ou verberara ser mais militar que político, quis provar que ao menos uma vez podia ser mais político do que militar: rejeitou todas as honras e pompas oficiais, quis ser enterrado como obscuro paisano.

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