domingo, 3 de julho de 2016

Paulo Freire e a pedagogia da ignorância

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:


Apenas um mês atrás, um levantamento feito com base na ferramenta de busca Google Scholar apontou a Pedagogia do Oprimido, do educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997), em terceiro lugar entre os livros mais citados por pesquisadores em Ciências Sociais de todo o mundo. O pernambucano Freire é reconhecidamente uma sumidade internacional na área da educação e deveria ser motivo de orgulho para qualquer um de nós - menos para os reaças que nunca o leram e que não sabem patavinas do que falam, mas se dedicam a atacá-lo.



Esta semana veio à tona a denúncia de que um cidadão de direita encastelado no governo ilegítimo de Michel Temer utilizou a rede do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) para mexer no verbete sobre Paulo Freire na Wikipedia. O Serpro, empresa de tecnologia da informação do governo federal, soltou comunicado dizendo que “a alteração realizada não partiu das instalações do Serpro, mas, sim, de um órgão público, cujo acesso à internet é administrado pela empresa. Entretanto, o Serpro não está autorizado, por questões contratuais, a divulgar informações de acesso de seus clientes à rede”.

O discípulo de Alexandre Frota que adulterou o verbete acrescentou trechos de artigo escrito por integrantes do Instituto Liberal, “Paulo Freire e o Assassinato do Conhecimento”, com a clara intenção de espalhar ignorância sobre o trabalho do educador. “Aí está uma das origens da nossa já conhecida doutrinação marxista nas escolas e universidades, que em vez de formar cidadãos e profissionais para o crescimento do país, forma soldados dispostos a defender com unhas e dentes o marxismo no meio acadêmico”, dizia o trecho de um dos parágrafos inseridos no artigo, já modificado novamente para fazer jus à realidade: o que Paulo Freire pregava era uma educação libertadora, capaz de tornar o estudante num cidadão crítico, questionador. Ou seja, educar como sinônimo de formar cidadãos pensantes, independentemente da ideologia que abracem.

A adulteração do texto da Wikipedia teve a clara intenção de reforçar os argumentos do estúpido movimento direitista Escola sem Partido, que pressupõe que todos os educadores brasileiros querem “doutrinar” seus alunos para que sejam “comunistas”. Contra essa falácia, os mentores da ideia apelam à censura do professor em sala de aula -um tiro no pé que vai atingir também os docentes identificados com a ideologia de direita. Quem nunca teve um professor reaça?

Em abril, a Assembleia Legislativa de Alagoas aprovou um projeto que PROÍBE os professores do Estado de emitir opiniões em sala de aula. O Sindicato dos Professores alagoanos está recorrendo da iniciativa, que vai de encontro à liberdade de expressão prevista no artigo 5 Constituição. A secretaria estadual de Educação também está recorrendo. Os “pedagogos da ignorância” fizeram o mesmo projeto em pelo menos nove Estados e 13 cidades, incluindo capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Um projeto de lei com teor idêntico tramita na Câmara dos Deputados.

Escrito em 1968, quando Paulo Freire estava exilado no Chile, a Pedagogia do Oprimido é um clássico em sua área e foi traduzido em mais de 20 idiomas, inclusive para o português: proibido pela ditadura militar, só foi publicado no país em 1975. É considerado um dos textos fundadores da pedagogia crítica, que defende um pensamento crítico por parte do estudante, “libertador”.

E é aí que reside o problema da direita brasileira com Freire: no fundo, o que eles querem impedir é a formação de cidadãos que questionem as injustiças da sociedade e que sejam incapazes de protestar contra elas. Mal sabem os reaças que, não fosse pela concepção de Paulo Freire, os movimentos de jovens de direita que questionavam o governo Dilma nem sequer existiriam. Ser contra Freire não é ser contra a esquerda: é querer que o jovem, de direita ou de esquerda, seja como gado e aceite tudo passivamente.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Por uma política para crescer o Brasil e torná-lo um país justo


O empresário Shotoku Yamamoto foi um dos principais oradores durante o “Grito em Defesa da Indústria e do Emprego”, organizado pelas entidades empresariais e centrais sindicais, em agosto do ano passado. Naquela oportunidade, disse o empresário, dono da Staf Sistema de Transportes e Armazenagem de Ferramentas: “Eu me endividei, comprei máquinas com o financiamento via FINAME, e, hoje, as máquinas estão paradas. Então, eu quero que o BNDES dê a anistia dos financiamentos porque eu não consigo pagar e não tenho trabalho”.
É deste empresário, também diretor e conselheiro da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), o artigo que hoje publicamos, aparecido originalmente na Imprensa ABIMAQ.
Desde Roberto Simonsen e José Ermírio de Moraes (pai), o Brasil teve empresários que se preocuparam com o país, compreendendo que a empresa nacional, sobretudo a indústria nacional, ou é parte da Nação (o que parece óbvio, mas nem tanto, se considerarmos alguns descaminhos) ou não é nada – deixa de existir. A ideia imbecil de que o melhor para a nossa indústria é entregá-la às multinacionais, é uma das causas da crise atual.
Reciprocamente, é impossível que o país cresça – de forma “sustentada”, como alguns dizem – se o crescimento não tiver como base a empresa, a indústria nacional.
Com efeito, esta é a razão pela qual o nosso país, modernamente, foi construído sob o nacional-desenvolvimentismo. Como diz uma publicação estatística:

“De 1930 a 1980, o crescimento foi sustentado e crescente, com taxa média anual de 6,7%. A partir de 1980, a tendência do crescimento foi declinante: a taxa média de crescimento médio anual foi de 2,1%” (cf. IBGE, “Estatísticas do Século XX”, Rio, 2006, grifo nosso).
Em seu artigo, Shotoku Yamamoto analisa uma questão decisiva: qual o setor principal da indústria para o crescimento do país.
É sabido que Getúlio Vargas, desde o seu primeiro governo, afirmou que a industrialização deveria ter por finalidade chegar-se à fabricação de máquinas. Em 1930, ainda candidato à Presidência, ele já afirmaria, em seu discurso da Esplanada do Castelo: “O surto industrial só será lógico, entre nós, quando estivermos habilitados a fabricar, senão todas, a maior parte das máquinas que nos são indispensáveis”.
Este objetivo, reafirmado várias vezes, mostra o quanto são estultas as teorias sobre uma suposta “industrialização restringida” durante o período Vargas – teorias cuja outra face (talvez a mesma) é atribuir às multinacionais, que entraram aqui no governo JK, a “verdadeira” industrialização do Brasil.
A preocupação de Getúlio de fundar a Vale do Rio Doce, a Companhia Nacional de Álcalis, a CSN, a Fábrica Nacional de Motores, a CHESF  – e, no segundo governo, a Petrobrás, o BNDE e a Eletrobrás (projeto que foi bloqueado no Congresso, como está na Carta-Testamento) – correspondia a esse objetivo, de implantar no país a indústria de bens de produção, isto é, de máquinas e equipamentos.
Houve, no período seguinte – não apenas no governo JK, mas, sobretudo, durante a ditadura – uma alteração: passou-se a considerar como “vetor do crescimento” o setor de bens de consumo duráveis (automóveis, e, também, eletrodomésticos). A consequência foi a concentração de renda, o arrocho salarial, a atrofia - ou hipotrofia - de setores inteiros da economia, e, por fim, a estagnação.
Não aprofundaremos aqui o problema – até porque o importante, hoje, é ler as opiniões de um empresário em seu esforço de pensar o Brasil e sua indústria.
C.L.
SHOTOKU YAMAMOTO*
O vetor do crescimento de um país não pode, em hipótese nenhuma, ser a indústria de bens de consumo, duráveis ou semiduráveis. O Brasil errou ao implantar a indústria de veículos leves na década de 50 para promover o crescimento da renda da população, sem dispor de tecnologia e indústria de base. A implantação da indústria de bens de consumo duráveis deve ser resultado ou consequência do enriquecimento da população, por meio da agregação de valores aos recursos naturais próprios ou adquiridos de terceiros, que passe a demandar tais bens e comece a importá-los e prejudicar o saldo da balança comercial.
A título de esclarecimento, temos o exemplo do Japão que, antes de se tornar um dos maiores fabricantes de veículos, foi o maior fabricante mundial de aços e o maior fabricante de navios de grande calado, criou tecnologias próprias para produzir matérias-primas para alimentar a indústria japonesa, sem dispor de recursos naturais próprios. Ainda hoje, é o segundo maior produtor mundial de aços, só perdendo para a China.
Portanto, devemos promover a reindustrialização do Brasil com foco na transformação de recursos naturais disponíveis em matérias-primas e produtos acabados de alto valor agregado para os mercados, interno e externo. Para tanto, temos que investir pesadamente na educação científica, para tornar o país independente de tecnologias estrangeiras e criar empresas genuinamente brasileiras, produtoras de bens de alto valor agregado. Por conta da falta desta política e visão de longo prazo, o Brasil não possui nenhuma marca, genuinamente brasileira, de produtos de alto valor agregado. A única exceção é a Embraer porque contou com o CTA e o ITA.

Para tornar factível este objetivo de longo prazo, precisamos incentivar, aumentar e manter em, pelo menos, 25% do PIB a poupança nacional para financiar os investimentos com foco neste objetivo, entendendo como tal a formação bruta de capital fixo. A poupança nacional tem três origens: 1) poupança das famílias, isto é, a renda menos o consumo das famílias; 2) lucro líquido das empresas e 3) superávit orçamentário dos três níveis de governo. Pela simples análise das origens da poupança nacional, podem-se verificar os erros cometidos recentemente pelo governo. Aumentou o crédito ao consumo e, portanto, diminuiu a poupança das famílias; sob o pretexto de controlar a inflação, diminuiu a competitividade das indústrias brasileiras com a manutenção do Real valorizado e os aumentos da taxa de juros e da carga tributária, que diminuiu o lucro das empresas; aumentou as despesas públicas e o endividamento do Estado, tornando negativa a poupança governamental, apesar do aumento dos impostos. Enfim, cometeu todos os erros possíveis e imaginários no que diz respeito à geração de poupança, elemento fundamental para o financiamento da formação bruta de capital fixo e proporcionar o crescimento do PIB em torno de 4 a 4,5%.
No setor externo, é mister criar reservas internacionais próprias, ou seja, precisamos acumular moedas estrangeiras por meio da geração de superávit na conta de transações correntes com o resto do mundo (balança comercial + balança de serviços + transferências unilaterais). Aliás, o Plano Real originalmente idealizado (âncora cambial) sucumbiu em janeiro de 1999, exatamente porque as reservas brasileiras não eram próprias. Com a crise asiática de 97 e a moratória russa de 1998, houve a fuga de moedas estrangeiras, que forçou a maxidesvalorização do Real para estancar a fuga.
Portanto, precisamos adotar uma política cambial que estimule as exportações para criar um superávit na balança comercial que seja maior que o já tradicional déficit da balança de serviços e, a longo prazo, gerar reservas próprias, como fazem Alemanha, Coreia do Sul, Japão, Panamá, entre tantas outras nações.
As principais origens do déficit na balança de serviços são: pagamentos de juros sobre dívidas externas públicas e privadas; pagamentos de royalties, fretes, seguros e locação de equipamentos. Para reduzir o déficit da balança de serviços, basta analisar as principais fontes do déficit e tomar medidas que sejam factíveis a longo prazo.Precisamos aumentar a frota brasileira de navios, de modo a evitar o pagamento de fretes e seguros para navios de bandeiras estrangeiras, sendo que o Brasil exporta e importa com navios de bandeiras estrangeiras por conta de pequena frota brasileira; precisa incentivar a criação de tecnologias, de modo a evitar os pagamentos de royalties; e precisa criar incentivos e condições para atrair turismo de estrangeiros. O Brasil precisa incentivar a inovação tecnológica da indústria de bens de capital para que as empresas brasileiras diminuam as importações de máquinas e equipamentos, cuja consequência é a redução automática de financiamentos externos e, portanto, de juros sobre financiamentos externos.
Entretanto, nada disso sairá do papel sem investimento pesado na qualidade dos ensinos fundamental e médio, principalmente na área de exatas. No meu país, imaginário que viabilize alcançar estes objetivos, de modo a tornar um país socialmente justo e capaz de manter o crescimento da economia gerando renda e emprego de qualidade.
A educação escolar, fundamental e médio, não pode ser objeto de lucro, objeto de enriquecimento pessoal. Os profissionais mais valorizados e bem remunerados no país devem ser os professores destes dois níveis de ensino. As universidades públicas devem ser gratuitas, desde que o aluno assine um contrato de trabalho com o Estado com remuneração abaixo do nível de mercado, por um determinado tempo, a título de restituição dos custos. Caso contrário, deve pagar o curso. Todos os reitores das universidades brasileiras precisam ouvir o que disse Marcelo Viana, do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), que disse: “Ao contrário do que se dá nos Estados Unidos e na Europa, no Brasil, um abismo legal e ideológico separa o mundo universitário do empresarial, com claro prejuízo para os dois lados, que pouco se falam”.
O Brasil tem jeito, mas carece de liderança e uma classe política que coloque o país acima dos interesses pessoais, familiares ou de uma determinada categoria profissional. Qualquer política que seja boa para um indivíduo, empresa ou associação de classe precisa, necessariamente, ser boa para o país. Do contrário, o Brasil nunca será uma verdadeira Nação, com “N” maiúsculo.
* Shotoku Yamamoto é diretor conselheiro da ABIMAQ.
http://www.horadopovo.com.br/

A violência física acontece quando o agressor usa de força física para machucar a vítima de várias maneiras, deixando ou não marcas evidentes.


São inúmeras as formas que a violência física pode tomar, desde socos, chutes e tapas a cortes, queimaduras e mutilações; assim como as táticas para causar sofrimento, seja por imobilização e asfixia ou arremesso de objetos pesados. É comum, no entanto, em todos esses casos, que o agressor sempre queira jogar sobre os ombros da vítima a culpa do seu próprio sofrimento.
É vital que a vítima que sofre algum tipo de violência física procure por ajuda para sair desse relacionamento abusivo. O silêncio, neste caso, pode conduzir à morte. Logo, não permita que o medo o impeça de ir até uma delegacia e denunciar o agressor. Porém, igualmente importante, é procurar por ajuda psicológica e espiritual, procurar por um padre, psicólogo ou psiquiatra, para que a vítima percorra um caminho de cura interior e assim possa superar os traumas e marcas deixadas nela.
Leia mais:
Em entrevista ao cancaonova.com, a psicóloga Renata Ribeiro respondeu algumas dúvidas sobre violência física.

cancaonova.com: Por que as mulheres sentem tanta dificuldade para sair de um relacionamento abusivo?

Renata Ribeiro: Na maioria das vezes, é por medo, submissão, por não ter para onde ir e um apego afetivo muito grande com o esposo, o que, muitas vezes, não é amor, mas sim uma relação doentia. Muitas vezes, a mulher acredita que é o papel dela submeter-se a tudo isso. Às vezes, envolve dinheiro, família, filhos e outras pessoas. Muitas vezes, é um “não” dos pais, por não ter para onde ir. Ela apanha, mas é ele quem dá o pão; então, por troca, ela se submete a muita coisa. Não é uma coisa somente que vai definir o motivo de a mulher sentir tanta dificuldade para sair de um relacionamento abusivo. Muitas vezes, por carência afetiva, por ele ser o marido, a mulher se sente obrigada a submeter-se a esse tipo de violência.

cancaonova.com: Quais os traumas gerados no homem e na mulher?

Renata Ribeiro: Há o trauma de relacionar-se com outra pessoa, estar aberta a uma nova pessoa que a assumirá e amará. Há também o trauma de sentir-se injustiçada e, consequentemente, no direito de se vingar. Outro trauma é que a pessoa se torna amarga, não sorri, porque a alegria foi roubada dela. Infelizmente, quem comete violência física não tem noção do trauma que isso causa, porque a pessoa se sente um lixo. Outro trauma é que o agressor faz com que a pessoa se sinta culpada “foi você que me provocou”, e isso faz com que, muitas vezes, a vítima se sinta codependente do agressor, porque ele ameaça denunciá-la. Por fim, o trauma que a vítima pode sofrer é de buscar ajuda com quem ela ama, mas essas pessoas não acreditam nela. Isso é uma das piores coisas. Já ouvi relato assim: “Fui falar para os meus pais e eles falaram que isso é normal”.

cancaonova.com: Como superar o trauma? Quais passos precisam ser dados?

Renata Ribeiro: O primeiro passo é a pessoa querer ser ajudada. Depois, buscar ajuda com pessoas próximas e confiantes.

cancaonova.com: É possível superar esse trauma e constituir uma família saudável?

Renata Ribeiro: Com certeza é possível, porque não há nada que Deus não possa realizar. Eu não posso ficar parada no trauma, achando que todas as pessoas são ruins, preciso acreditar que sou capaz de encontrar uma pessoa que vai me amar e me tratar com carinho.
Confira dados sobre homens que presenciaram atos violentos contra a mãe também praticam violência contra mulheres.

Fernanda Soares

Fernanda Soares é missionária da Canção Nova. Foi apresentadora do programa Revolução Jesus e Vitrine da TV Canção Nova. Jornalista. Foi uma das apresentadoras no palco principal da Jornada Mundial da Juventude Rio 2013. Autora dos livros “A mulher segundo o coração de Deus” e “A beleza da mulher a ser revelada”. Hoje trabalha como produtora de conteúdo no setor de Internet da Canção Nova.
http://formacao.cancaonova.com/

PRECISAMOS E QUEREMOS MUDANÇA

 Discurso do Papa Francisco aos Movimentos Populares reunidos na Bolívia:

 (Bolívia, Santa Cruz – Expo Feira, 9 de Julho de 2015)
Boa tarde a todos!
Há alguns meses, reunimo-nos em Roma e não esqueço aquele nosso primeiro encontro. Durante este tempo, trouxe-vos no meu coração e nas minhas orações. Alegra-me vê-vos de novo aqui, debatendo os melhores caminhos para superar as graves situações de injustiça que padecem os excluídos em todo o mundo. Obrigado Senhor Presidente Evo Morales, por sustentar tão decididamente este Encontro.
Então, em Roma, senti algo muito belo: fraternidade, paixão, entrega, sede de justiça. Hoje, em Santa Cruz de la Sierra, volto a sentir o mesmo. Obrigado! Soube também, pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz» presidido pelo Cardeal Turkson, que são muitos na Igreja aqueles que se sentem mais próximos dos movimentos populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vós, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada diocese, em cada comissão «Justiça e Paz», uma colaboração real, permanente e comprometida com os movimentos populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais a aprofundar este encontro.
Deus permitiu que nos voltássemos a ver hoje. A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu povo e também eu quero voltar a unir a minha voz à vossa: terra, tecto e trabalho para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra.
1.            Comecemos por reconhecer que precisamos duma mudança. Quero esclarecer, para que não haja mal-entendidos, que falo dos problemas comuns de todos os latino-americanos e, em geral, de toda a humanidade. Problemas, que têm uma matriz global e que actualmente nenhum Estado pode resolver por si mesmo. Feito este esclarecimento, proponho que nos coloquemos estas perguntas:
- Reconhecemos nós que as coisas não andam bem num mundo onde há tantos camponeses sem terra, tantas famílias sem tecto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na sua dignidade?
- Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando explodem tantas guerras sem sentido e a violência fratricida se apodera até dos nossos bairros? Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando o solo, a água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça constante?
Então digamo-lo sem medo: Precisamos e queremos uma mudança.
Nas vossas cartas e nos nossos encontros, relataram-me as múltiplas exclusões e injustiças que sofrem em cada actividade laboral, em cada bairro, em cada território. São tantas e tão variadas como muitas e diferentes são as formas próprias de as enfrentar. Mas há um elo invisível que une cada uma destas exclusões: conseguimos nós reconhecê-lo? É que não se trata de questões isoladas. Pergunto-me se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos nós que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza?
Se é assim – insisto – digamo-lo sem medo: Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco.
Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença.
Hoje quero reflectir convosco sobre a mudança que queremos e precisamos. Como sabem, recentemente escrevi sobre os problemas da mudança climática. Mas, desta vez, quero falar duma mudança noutro sentido. Uma mudança positiva, uma mudança que nos faça bem, uma mudança – poderíamos dizer – redentora. Porque é dela que precisamos. Sei que buscais uma mudança e não apenas vós: nos diferentes encontros, nas várias viagens, verifiquei que há uma expectativa, uma busca forte, um anseio de mudança em todos os povos do mundo. Mesmo dentro da minoria cada vez mais reduzida que pensa sair beneficiada deste sistema, reina a insatisfação e sobretudo a tristeza. Muitos esperam uma mudança que os liberte desta tristeza individualista que escraviza.







O tempo, irmãos e irmãs, o tempo parece exaurir-se; já não nos contentamos com lutar entre nós, mas chegamos até a assanhar-nos contra a nossa casa. Hoje, a comunidade científica aceita aquilo que os pobres já há muito denunciam: estão a produzir-se danos talvez irreversíveis no ecossistema. Está-se a castigar a terra, os povos e as pessoas de forma quase selvagem. E por trás de tanto sofrimento, tanta morte e destruição, sente-se o cheiro daquilo que Basílio de Cesareia chamava «o esterco do diabo»: reina a ambição desenfreada de dinheiro. O serviço ao bem comum fica em segundo plano. Quando o capital se torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro domina todo o sistema socioecónomico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz lutar povo contra povo e até, como vemos, põe em risco esta nossa casa comum.







Não quero alongar-me na descrição dos efeitos malignos desta ditadura subtil: vós conhecei-los! Mas também não basta assinalar as causas estruturais do drama social e ambiental contemporâneo. Sofremos de um certo excesso de diagnóstico, que às vezes nos leva a um pessimismo charlatão ou a rejubilar com o negativo. Ao ver a crónica negra de cada dia, pensamos que não haja nada que se possa fazer para além de cuidar de nós mesmos e do pequeno círculo da família e dos amigos.
Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos laborais? Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador que dificilmente consigo resistir à propagação das grandes corporações? Que posso fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, da minha povoação, da minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado? Que pode fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma solução para os meus problemas? Muito! Podem fazer muito. Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos “3 T” (trabalho, tecto, terra), e também na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!
2.            Vós sois semeadores de mudança. Aqui, na Bolívia, ouvi uma frase de que gosto muito: «processo de mudança». A mudança concebida, não como algo que um dia chegará porque se impôs esta ou aquela opção política ou porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social. Sabemos, amargamente, que uma mudança de estruturas, que não seja acompanhada por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir. Por isso gosto tanto da imagem do processo, onde a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos. Cada um de nós é apenas uma parte de um todo complexo e diversificado interagindo no tempo: povos que lutam por uma afirmação, por um destino, por viver com dignidade, por «viver bem».

Vós, a partir dos movimentos populares, assumis as tarefas comuns motivados pelo amor fraterno, que se rebela contra a injustiça social. Quando olhamos o rosto dos que sofrem, o rosto do camponês ameaçado, do trabalhador excluído, do indígena oprimido, da família sem tecto, do imigrante perseguido, do jovem desempregado, da criança explorada, da mãe que perdeu o seu filho num tiroteio porque o bairro foi tomado pelo narcotráfico, do pai que perdeu a sua filha porque foi sujeita à escravidão; quando recordamos estes «rostos e nomes» estremecem-nos as entranhas diante de tanto sofrimento e comovemo-nos…. Porque «vimos e ouvimos», não a fria estatística, mas as feridas da humanidade dolorida, as nossas feridas, a nossa carne. Isto é muito diferente da teorização abstracta ou da indignação elegante. Isto comove-nos, move-nos e procuramos o outro para nos movermos juntos. Esta emoção feita acção comunitária é incompreensível apenas com a razão: tem um plus de sentido que só os povos entendem e que confere a sua mística particular aos verdadeiros movimentos populares.
Vós viveis, cada dia, imersos na crueza da tormenta humana. Falastes-me das vossas causas, partilhastes comigo as vossas lutas. E agradeço-vos. Queridos irmãos, muitas vezes trabalhais no insignificante, no que aparece ao vosso alcance, na realidade injusta que vos foi imposta e a que não vos resignais opondo uma resistência activa ao sistema idólatra que exclui, degrada e mata. Vi-vos trabalhar incansavelmente pela terra e a agricultura camponesa, pelos vossos territórios e comunidades, pela dignificação da economia popular, pela integração urbana das vossas favelas e agrupamentos, pela auto-construção de moradias e o desenvolvimento das infra-estruturas do bairro e em muitas actividades comunitárias que tendem à reafirmação de algo tão elementar e inegavelmente necessário como o direito aos “3 T”: terra, tecto e trabalho.
Este apego ao bairro, à terra, ao território, à profissão, à corporação, este reconhecer-se no rosto do outro, esta proximidade no dia-a-dia, com as suas misérias e os seus heroísmos quotidianos, é o que permite realizar o mandamento do amor, não a partir de ideias ou conceitos, mas a partir do genuíno encontro entre pessoas, porque não se amam os conceitos nem as ideias; amam-se as pessoas. A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor pelos homens e mulheres, crianças e idosos, vilarejos e comunidades... Rostos e nomes que enchem o coração. A partir destas sementes de esperança semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de ternura que lutam por subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores, surgirão bosques densos de esperança para oxigenar este mundo.
Vejo, com alegria, que trabalhais no que aparece ao vosso alcance, cuidando dos rebentos; mas, ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais ampla, protegendo o arvoredo. Trabalhais numa perspectiva que não só aborda a realidade sectorial que cada um de vós representa e na qual felizmente está enraizada, mas procurais também resolver, na sua raiz, os problemas gerais de pobreza, desigualdade e exclusão.
Felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos, os povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à globalização exclusiva. Vós sois semeadores de mudança. Que Deus vos dê coragem, alegria, perseverança e paixão para continuar a semear. Podeis ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vamos ver os frutos. Peço aos dirigentes: sede criativos e nunca percais o apego às coisas próximas, porque o pai da mentira sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adoptar posições ideológicas, mas se construirdes sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a experiência viva dos vossos irmãos, dos camponeses e indígenas, dos trabalhadores excluídos e famílias marginalizadas, de certeza não vos equivocareis.
A Igreja não pode nem deve ser alheia a este processo no anúncio do Evangelho. Muitos sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os excluídos em todo o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso a empreendimentos, construindo casas, trabalhando abnegadamente nas áreas da saúde, desporto e educação. Estou convencido de que a cooperação amistosa com os movimentos populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os processos de mudança.
No coração, tenhamos sempre a Virgem Maria, uma jovem humilde duma pequena aldeia perdida na periferia dum grande império, uma mãe sem tecto que soube transformar um curral de animais na casa de Jesus com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura. Maria é sinal de esperança para os povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça. Rezo à Virgem do Carmo, padroeira da Bolívia, para fazer com que este nosso Encontro seja fermento de mudança.
3.            Por último, gostaria que reflectíssemos, juntos, sobre algumas tarefas importantes neste momento histórico, pois queremos uma mudança positiva em benefício de todos os nossos irmãos e irmãs. Disto estamos certos! Queremos uma mudança que se enriqueça com o trabalho conjunto de governos, movimentos populares e outras forças sociais. Sabemos isto também! Mas não é tão fácil definir o conteúdo da mudança, ou seja, o programa social que reflicta este projecto de fraternidade e justiça que esperamos. Neste sentido, não esperem uma receita deste Papa. Nem o Papa nem a Igreja têm o monopólio da interpretação da realidade social e da proposta de soluções para os problemas contemporâneos. Atrever-me-ia a dizer que não existe uma receita. A história é construída pelas gerações que se vão sucedendo no horizonte de povos que avançam individuando o próprio caminho e respeitando os valores que Deus colocou no coração.
Gostaria, no entanto, de vos propor três grandes tarefas que requerem a decisiva contribuição do conjunto dos movimentos populares:
3.1          A primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos.
Os seres humanos e a natureza não devem estar ao serviço do dinheiro. Digamos NÃO a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra.
A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa comum. Isto implica cuidar zelosamente da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos. A sua finalidade não é unicamente garantir o alimento ou um «decoroso sustento». Não é sequer, embora fosse já um grande passo, garantir o acesso aos “3 T” pelos quais combateis. Uma economia verdadeiramente comunitária – poder-se-ia dizer, uma economia de inspiração cristã – deve garantir aos povos dignidade, «prosperidade e civilização em seus múltiplos aspectos».[1] Isto envolve os “3 T” mas também acesso à educação, à saúde, à inovação, às manifestações artísticas e culturais, à comunicação, ao desporto e à recreação. Uma economia justa deve criar as condições para que cada pessoa possa gozar duma infância sem privações, desenvolver os seus talentos durante a juventude, trabalhar com plenos direitos durante os anos de actividade e ter acesso a uma digna aposentação na velhice. É uma economia onde o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo o sistema de produção e distribuição de tal modo que as capacidades e necessidades de cada um encontrem um apoio adequado no ser social. Vós – e outros povos também – resumis este anseio duma maneira simples e bela: «viver bem».
Esta economia é não apenas desejável e necessária, mas também possível. Não é uma utopia, nem uma fantasia. É uma perspectiva extremamente realista. Podemos consegui-la. Os recursos disponíveis no mundo, fruto do trabalho intergeneracional dos povos e dos dons da criação, são mais que suficientes para o desenvolvimento integral de «todos os homens e do homem todo».[2] Mas o problema é outro. Existe um sistema com outros objectivos. Um sistema que, apesar de acelerar irresponsavelmente os ritmos da produção, apesar de implementar métodos na indústria e na agricultura que sacrificam a Mãe Terra na ara da «produtividade», continua a negar a milhares de milhões de irmãos os mais elementares direitos económicos, sociais e culturais. Este sistema atenta contra o projecto de Jesus.
A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, o encargo é ainda mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e às pessoas o que lhes pertence. O destino universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja. É uma realidade anterior à propriedade privada. A propriedade, sobretudo quando afecta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades das pessoas. E estas necessidades não se limitam ao consumo. Não basta deixar cair algumas gotas, quando os pobres agitam este copo que, por si só, nunca derrama. Os planos de assistência que acodem a certas emergências deveriam ser pensados apenas como respostas transitórias. Nunca poderão substituir a verdadeira inclusão: a inclusão que dá o trabalho digno, livre, criativo, participativo e solidário.
Neste caminho, os movimentos populares têm um papel essencial, não apenas exigindo e reclamando, mas fundamentalmente criando. Vós sois poetas sociais: criadores de trabalho, construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os descartados pelo mercado global.
Conheci de perto várias experiências, onde os trabalhadores, unidos em cooperativas e outras formas de organização comunitária, conseguiram criar trabalho onde só havia sobras da economia idólatra. As empresas recuperadas, as feiras francas e as cooperativas de catadores de papelão são exemplos desta economia popular que surge da exclusão e que pouco a pouco, com esforço e paciência, adopta formas solidárias que a dignificam. Quão diferente é isto do facto de os descartados pelo mercado formal serem explorados como escravos!
Os governos que assumem como própria a tarefa de colocar a economia ao serviço das pessoas devem promover o fortalecimento, melhoria, coordenação e expansão destas formas de economia popular e produção comunitária. Isto implica melhorar os processos de trabalho, prover de adequadas infra-estruturas e garantir plenos direitos aos trabalhadores deste sector alternativo. Quando Estado e organizações sociais assumem, juntos, a missão dos “3 T”, activam-se os princípios de solidariedade e subsidiariedade que permitem construir o bem comum numa democracia plena e participativa.
3.2          A segunda tarefa é unir os nossos povos no caminho da paz e da justiça.
Os povos do mundo querem ser artífices do seu próprio destino. Querem caminhar em paz para a justiça. Não querem tutelas nem interferências, onde o mais forte subordina o mais fraco. Querem que a sua cultura, o seu idioma, os seus processos sociais e tradições religiosas sejam respeitados. Nenhum poder efectivamente constituído tem direito de privar os países pobres do pleno exercício da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de colonialismo que afectam seriamente as possibilidades de paz e justiça, porque «a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no respeito pelo direito dos povos, sobretudo o direito à independência».[3]
Os povos da América Latina alcançaram, com um parto doloroso, a sua independência política e, desde então, viveram já quase dois séculos duma história dramática e cheia de contradições procurando conquistar uma independência plena.
Nos últimos anos, depois de tantos mal-entendidos, muitos países latino-americanos viram crescer a fraternidade entre os seus povos. Os governos da região juntaram seus esforços para fazer respeitar a sua soberania, a de cada país e a da região como um todo que, de forma muito bela como faziam os nossos antepassados, chamam a «Pátria Grande». Peço-vos, irmãos e irmãs dos movimentos populares, que cuidem e façam crescer esta unidade. É necessário manter a unidade contra toda a tentativa de divisão, para que a região cresça em paz e justiça.
Apesar destes avanços, ainda subsistem factores que atentam contra este desenvolvimento humano equitativo e coarctam a soberania dos países da «Pátria Grande» e doutras latitudes do Planeta. O novo colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes, é o poder anónimo do ídolo dinheiro: corporações, credores, alguns tratados denominados «de livre comércio» e a imposição de medidas de «austeridade» que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres. Os bispos latino-americanos denunciam-no muito claramente, no documento de Aparecida, quando afirmam que «as instituições financeiras e as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as economias locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes para levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço de suas populações».[4] Noutras ocasiões, sob o nobre disfarce da luta contra a corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo – graves males dos nossos tempos que requerem uma acção internacional coordenada – vemos que se impõem aos Estados medidas que pouco têm a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as coisas piores.
Da mesma forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adopta o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico. Como dizem os bispos da África, muitas vezes pretende-se converter os países pobres em «peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigante».[5]
Temos de reconhecer que nenhum dos graves problemas da humanidade pode ser resolvido sem a interacção dos Estados e dos povos a nível internacional. Qualquer acto de envergadura realizado numa parte do Planeta repercute-se no todo em termos económicos, ecológicos, sociais e culturais. Até o crime e a violência se globalizaram. Por isso, nenhum governo pode actuar à margem duma responsabilidade comum. Se queremos realmente uma mudança positiva, temos de assumir humildemente a nossa interdependência. Mas interacção não é sinónimo de imposição, não é subordinação de uns em função dos interesses dos outros. O colonialismo, novo e velho, que reduz os países pobres a meros fornecedores de matérias-primas e mão de obra barata, gera violência, miséria, emigrações forçadas e todos os males que vêm juntos... precisamente porque, ao pôr a periferia em função do centro, nega-lhes o direito a um desenvolvimento integral. Isto é desigualdade, e a desigualdade gera violência que nenhum recurso policial, militar ou dos serviços secretos será capaz de deter.
Digamos NÃO às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos SIM ao encontro entre povos e culturas. Bem-aventurados os que trabalham pela paz.
Aqui quero deter-me num tema importante. É que alguém poderá, com direito, dizer: «Quando o Papa fala de colonialismo, esquece-se de certas acções da Igreja». Com pesar, vo-lo digo: Cometeram-se muitos e graves pecados contra os povos nativos da América, em nome de Deus. Reconheceram-no os meus antecessores, afirmou-o o CELAM e quero reafirmá-lo eu também. Como São João Paulo II, peço que a Igreja «se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos».[6] E eu quero dizer-vos, quero ser muito claro, como foi São João Paulo II: Peço humildemente perdão, não só para as ofensas da própria Igreja, mas também para os crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América.
Peço-vos também a todos, crentes e não crentes, que se recordem de tantos bispos, sacerdotes e leigos que pregaram e pregam a boa nova de Jesus com coragem e mansidão, respeito e em paz; que, na sua passagem por esta vida, deixaram impressionantes obras de promoção humana e de amor, pondo-se muitas vezes ao lado dos povos indígenas ou acompanhando os próprios movimentos populares mesmo até ao martírio. A Igreja, os seus filhos e filhas, fazem parte da identidade dos povos na América Latina. Identidade que alguns poderes, tanto aqui como noutros países, se empenham por apagar, talvez porque a nossa fé é revolucionária, porque a nossa fé desafia a tirania do ídolo dinheiro. Hoje vemos, com horror, como no Médio Oriente e noutros lugares do mundo se persegue, tortura, assassina a muitos irmãos nossos pela sua fé em Jesus. Isto também devemos denunciá-lo: dentro desta terceira guerra mundial em parcelas que vivemos, há uma espécie de genocídio em curso que deve cessar.
Aos irmãos e irmãs do movimento indígena latino-americano, deixem-me expressar a minha mais profunda estima e felicitá-los por procurarem a conjugação dos seus povos e culturas segundo uma forma de convivência, a que eu chamo poliédrica, onde as partes conservam a sua identidade construindo, juntas, uma pluralidade que não atenta contra a unidade, mas fortalece-a. A sua procura desta interculturalidade que conjuga a reafirmação dos direitos dos povos nativos com o respeito à integridade territorial dos Estados enriquece-nos e fortalece-nos a todos.
3.3          A terceira tarefa, e talvez a mais importante que devemos assumir hoje, é defender a Mãe Terra.
A casa comum de todos nós está a ser saqueada, devastada, vexada impunemente. A covardia em defendê-la é um pecado grave. Vemos, com crescente decepção, sucederem-se uma após outra cimeiras internacionais sem qualquer resultado importante. Existe um claro, definitivo e inadiável imperativo ético de actuar que não está a ser cumprido. Não se pode permitir que certos interesses – que são globais, mas não universais – se imponham, submetendo Estados e organismos internacionais, e continuem a destruir a criação. Os povos e os seus movimentos são chamados a clamar, mobilizar-se, exigir – pacífica mas tenazmente – a adopção urgente de medidas apropriadas. Peço-vos, em nome de Deus, que defendais a Mãe Terra. Sobre este assunto, expressei-me devidamente na carta encíclica Laudato si’.
4.            Para concluir, quero dizer-lhes novamente: O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança. Estou convosco. Digamos juntos do fundo do coração: nenhuma família sem tecto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice. Continuai com a vossa luta e, por favor, cuidai bem da Mãe Terra. Rezo por vós, rezo convosco e quero pedir a nosso Pai Deus que vos acompanhe e abençoe, que vos cumule do seu amor e defenda no caminho concedendo-vos, em abundância, aquela força que nos mantém de pé: esta força é a esperança, a esperança que não decepciona. Obrigado! E peço-vos, por favor, que rezeis por mim.
[1] JOÃO XXIII, Carta enc. Mater et Magistra (15 de Maio de 1961), 3: AAS 53 (1961), 402.
[2] PAULO VI, Carta enc. Popolorum progressio, 14.
[3] PONTIFÍCIO CONSELHO «JUSTIÇA E PAZ», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 157.
[4] V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE (2007), Documento de Aparecida, 66.
[5] JOÃO PAULO II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Africa (14 de Setembro de 1995), 52: AAS 88 (1996), 32-33. Cf. IDEM, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 22: AAS 80 (1988), 539.
[6] JOÃO PAULO II, Bula Incarnationis mysterium, 11.
http://pt.radiovaticana.va/

SER FELIZ

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(Papa Francisco)

"Você pode ter defeitos, ser ansioso, e viver alguma vez irritado, mas não esqueça que a sua vida é a maior empresa do mundo. Só você pode impedir que vá em declínio. Muitos lhe apreciam, lhe admiram e o amam. Gostaria que lembrasse que ser feliz não é ter um céu sem tempestade, uma estrada sem acidentes, trabalho sem cansaço, relações sem decepções.

Ser feliz é achar a força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor na discórdia. Ser feliz não é só apreciar o sorriso, mas também refletir sobre a tristeza. Não é só celebrar os sucessos, mas aprender lições dos fracassos.

Não é só sentir-se feliz com os aplausos, mas ser feliz no anonimato. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões, períodos de crise. Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista para aqueles que conseguem viajar para dentro de si mesmo. Ser feliz é parar de sentir-se vítima dos problemas e se tornar autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas conseguir achar um oásis no fundo da nossa alma. É agradecer a Deus por cada manhã, pelo milagre da vida. Ser feliz, não é ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si. É ter coragem de ouvir um "não".

É sentir-se seguro ao receber uma crítica, mesmo que injusta. É beijar os filhos, mimar os pais, viver momentos poéticos com os amigos, mesmo quando nos magoam. Ser feliz é deixar viver a criatura que vive em cada um de nós, livre, alegre e simples. É ter maturidade para poder dizer: "errei". É ter a coragem de dizer:"perdão". É ter a sensibilidade para dizer: "eu preciso de você". É ter a capacidade de dizer: "te amo". Que a tua vida se torne um jardim de oportunidades para ser feliz... Que nas suas primaveras seja amante da alegria. Que nos seus invernos seja amante da sabedoria. E que quando errar, recomece tudo do início.

Pois somente assim será apaixonado pela vida. Descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Utilizar as perdas para treinar a paciência. Usar os erros para esculpir a serenidade. Utilizar a dor para lapidar o prazer. Utilizar os obstáculos para abrir janelas de inteligência. Nunca desista. Nunca renuncie às pessoas que lhes ama. Nunca renuncie à felicidade, pois a vida é um espetáculo incrível". (PAPA FRANCISCO)