quarta-feira, 1 de junho de 2011

Idealizador do PNBL, Santanna é afastado do comando da Telebrás

Também foram demitidos Cesar Alvarez e Nelson Fujimoto, ambos do Ministério das Comunicações  

A demissão do presidente da Telebrás, Rogério Santanna - e também do secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Nelson Fujimoto, e do seu secretário-executivo, Cesar Alvarez, deslocado para uma Telebrás esvaziada, sem verba, e, para o ministro Paulo Bernardo, sem função – é uma perda para o governo e para o país, e não é uma perda pequena.

Não deixa de ser impressionante – a mediocridade excessiva, por ser quase inconcebível, é sempre impressionante – que o ministro Paulo Bernardo, para privilegiar o monopólio das teles, provavelmente o grupo mais descaradamente bandidesco de todos os parasitas que Fernando Henrique instalou nas empresas privatizadas, afaste homens de tal capacidade, inteligência e espírito público, impedindo o Brasil de se beneficiar com a sua contribuição para superar as dificuldades para o desenvolvimento.

A principal dessas dificuldades é a existência de monopólios, em regra externos, que travam, atrasam, espoliam o país e - permita-nos o leitor usar a precisa expressão coloquial - arrancam o couro do povo. Nenhum deles é tão ostensivo, tão afrontoso, tão sem escrúpulos quanto o monopólio das teles, com suas tarifas alucinadas, seu assalto diário ao usuário, sua arrogância ditatorial, sua incompetência onipresente - apagões generalizados e péssimos serviços.

O que será que o ministro Paulo Bernardo viu nessa máfia para se encantar tanto com ela? Certamente não é porque as teles têm o maior faturamento de todas as empresas privadas do país.

É sabido que o ministro jamais aceitou seu secretário-executivo, Cezar Alvarez, indicado pelo presidente Lula, de quem foi coordenador dos programas de inclusão digital. Agora, livrou-se dele substituindo Santanna – tanto um quanto o outro, veteranos militantes do PT, e do Rio Grande do Sul.

A Telebrás planejava usar a faixa de 450 Mhz para levar a banda larga ao interior do país. O ministro, contra a Telebrás, apoiou a Anatel, que transferiu essa faixa para as teles. Agora, como substituto de Fujimoto na secretaria de Telecomunicações, é anunciado Maximiliano Martinhão, funcionário da Anatel conhecido por advogar a entrega também da faixa de 700 Mhz para as teles – apesar desta faixa ser hoje ocupada pelas emissoras de rádio e televisão. Ou por isso mesmo.

Rogério Santanna foi, sob a égide do presidente Lula, o idealizador do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Como relatou em entrevista ao HP, publicada em outubro do ano passado:
No fim de 2003, comecei a estudar a questão de utilizar a rede de fibras ópticas do governo. Inicialmente, propus só um backbone [‘espinha dorsal’ de um sistema de transmissão de dados] para atender ao governo. Depois, essa discussão foi aumentando e participaram do debate o Cezar Alvarez, a Dilma e outros. Vislumbramos, então, a seguinte proposta: ao invés de insistir na separação estrutural [quem opera no atacado não opera no varejo e vice-versa] que tinha sido derrotada na Anatel, que aproveitássemos essa rede para fazer uma rede de nova geração. Em lugar de carregar o passado, o cabo de cobre, todas as tecnologias antigas, nós podíamos usar essa infraestrutura para criar uma rede independente – deixar as teles com a rede delas e criar uma rede neutra, pública. A partir de uma tecnologia mais nova, mais barata, gerar essa rede neutra e vender serviços só no atacado”.

Para isso era necessário a reativação da Telebrás – e foi contra ela que as teles, os tucanos, a mídia e outros reacionários se atiraram. Mas a Telebrás, como Lula percebeu rapidamente, é decisiva para estabelecer uma rede pública, oferecer preços racionais aos usuários, e, inclusive, garantir que a iniciativa privada não continue sufocada pelo monopólio das teles.

Como disse Santanna:
... 90%, 95% dos acessos de Internet vendidos no país estão na mão de cinco empresas, sendo que 85% na mão de três – a Telefónica, a Oi e a Net/Embratel. (…) No entanto, na Anatel, até junho deste ano, existiam 2.026 provedores registrados. Só que eles não conseguem vender (…) porque não conseguem comprar linhas de transporte a preço barato. O provedor precisa comprar da operadora a linha industrial, a chamada EILD (Exploração Industrial de Linhas Dedicadas), a exploração de linha de transporte industrial. Mas os provedores não conseguem comprar essa linha a um preço competitivo para vender o acesso ao usuário a um preço aceitável. (…) Eles não conseguem comprar mais capacidade, porque a operadora não vende. E não é só o pequeno provedor, isso acontece até com empresas grandes como a Copel, que entrou vendendo com os preços de mercado que nós estamos nos propondo a vender e não está conseguindo comprar saída para Internet, porque as operadoras não vendem para ela”.

Esse tipo de prática, tolerada e estimulada pela Anatel e pelo Ministério das Comunicações, é, numa palavra, criminosa. Por isso, o centro do PNBL era fazer a Telebrás operar no atacado, para garantir que mais de dois mil provedores pudessem atender ao usuário no varejo. A esse plano, formulado por Rogério Santanna, o presidente Lula acrescentou que nos lugares onde não existissem provedores a Telebrás poderia atender diretamente ao usuário.

Não precisamos insistir na importância estratégica da universalização da banda larga – não somente em função da Internet, mas de todo o complexo que é chamado “convergência digital”, inclusive a telefonia e a televisão.

Toda a essência do PNBL é a Telebrás administrar uma rede “neutra” para dar uma alternativa ao monopólio privado das teles, com sua rede nada neutra, e assim garantir preços acessíveis aos provedores e aos usuários. O PNBL é um plano muito barato para o Estado, por usar uma rede que já existe, reservando o atendimento direto ao usuário (a chamada “última milha”) para os provedores, que são empresas privadas. No governo Lula, foi projetado um aporte inicial à Telebrás de R$ 1 bilhão até o final de 2011 – com uma possível suplementação de R$ 400 milhões.

No entanto, no atual governo, o primeiro aporte, de R$ 600 milhões, foi reduzido a R$ 316 milhões. Em seguida, houve outra redução, para R$ 226 milhões – e o ministro Paulo Bernardo, inclusive contra o Tesouro (que já havia comunicado a liberação desses R$ 226 milhões), só permitiu que a Telebrás recebesse R$ 50 milhões, o que inviabilizou a meta do PNBL para este ano.

Apesar disso, a Telebrás conseguiu fechar os contratos para uso da rede da Petrobrás e da Eletrobrás, e, inclusive, acordos com a GVT e a TIM/Intelig – que, ao contrário das operadoras de telefonia fixa, não possuem rede própria.

Porém, enquanto a Telebrás trabalhava, o ministro passou a falar para a imprensa o que não discutia com o presidente da empresa. No dia 25 de abril, o jornal Valor Econômico publicou a declaração de Bernardo: “não é tarefa da Telebrás disputar mercado com as teles. Ela vai sair da disputa para ser uma articuladora de ações. É com isso que estamos contando”.

Que diabo quer dizer “articuladora de ações”, o ministro não esclareceu. Sem a função de impedir a monopolização do atacado pelas teles, sem ser gestora e sem ser reguladora (o que cabe à Anatel) não se sabe que ações ela vai ou pode articular. O ministro disse também que “o Tesouro não vai liberar dinheiro se não há nada projetado” - todo mundo sabia o que estava projetado; mas não era o Tesouro que estava impedindo a liberação do dinheiro. Era ele, o ministro das Comunicações.

Não foi sem razão que a Bovespa perguntou à Telebrás o que significavam essas declarações – até nós, infensos aos interesses bursáteis, compreendemos que um ministro não pode dar uma declaração que reduz as ações de uma estatal quase à cotação zero, enquanto eleva a das teles.

Mas a Telebrás de nada sabia e passou o pedido da Bovespa ao Ministério. A resposta foi que a Telebrás iria adiar seus projetos, não receberia de volta seus funcionários - que estavam à disposição da Anatel - e que o Ministério iria “rediscutir a atuação de mercado da Telebrás, a fim de (…) canalizar esforços conjuntos com o setor privado para a expansão de redes no país e sua comercialização no atacado”. Em outras palavras, o Ministério era a favor de que as teles dominassem o atacado - como, aliás, já acontece, com os catastróficos resultados que todos sabem.

No sábado, Santanna, apesar dos serviços que já prestou ao país, soube de sua demissão pelo “O Globo” – confirmada na quarta-feira.
Por que mesmo a gente reclamava tanto do Hélio Costa?
CARLOS LOPES 

Nenhum comentário: