sexta-feira, 1 de abril de 2011


José Alencar honrou sua nação e agora se incorpora à sua história  



Milhares de pessoas se despediram do ex-vice-presidente no Palácio do Planalto

A grandeza de José Alencar é agora unanimemente reconhecida, no momento em que o país, tendo o ex-presidente Lula e a presidente Dilma à frente, prestam as suas justas homenagens a um homem que, como poucos, honrou a sua nação – e agora se incorpora definitivamente à sua História.

Talvez a melhor síntese tenha sido a de Lula, sobre o seu companheiro: “é muito fácil a gente falar das pessoas depois que morrem, porque todo mundo fica bom depois que morre, mas o Zé Alencar era bom em vida”. Emocionado, Lula se referiu à “grande alma” do seu vice-presidente e ao que o Brasil deve a ele.

Sem dúvida – e o reconhecimento popular, o sentimento de comoção que perpassa o país, é o maior sinal da grandeza de Alencar. Quantos vice-presidentes tiveram tal reconhecimento?

Mas, o que era - e continuará sendo, para sempre - a grandeza deste homem?

Alguém já disse que “quanto mais escura a noite, mais brilham as estrelas”.

Esse foi o caso de José Alencar.


Numa época em que a vida política – e empresarial -, depois de oito anos de espezinhamento dos valores morais e mercadejamento com os bens coletivos do país, parecia dominada por um corrupto oportunismo, onde, para alguns, não havia compromisso num dia com o que fora dito no dia anterior; onde a lealdade, a verdade, a honestidade, enfim, a integridade e a honra, eram tratadas como dispensáveis velharias de um passado antiquado; onde o “tudo por dinheiro” era apresentado como o suprassumo da modernidade; onde a submissão, a bajulação e a vigarice eram exibidas como a forma normal – e preferencial - de subir na vida; enfim, nessa época obscura em que a agiotagem, o parasitismo, a especulação e a esperteza eram propagandeadas como se fossem virtudes – exatamente aí, José Alencar apareceu como a condensação luminosa do empreendedor que recusava as facilidades da pilhagem financeira, do político que recusava esquecer hoje o que disse ontem, do homem que recusava a desonra em nome de um suposto, vazio e passageiro sucesso, do estadista que afirmava a lealdade sem jamais omitir a verdade do que pensava, do ser humano que jamais transigia com princípios, do brasileiro criativo, que preferia a inteligência em vez da esperteza.

Na vida política do país nos últimos anos, isso não é pouco, e o povo do Brasil soube reconhecê-lo, como agora demonstra, em seu preito ao homem que se vai - e, no entanto, permanecerá como parte de cada brasileiro.

Ninguém foi tão leal ao presidente Lula. Ele mesmo disse, quando ainda não era candidato à vice-presidente, em 2001: “O político que está mais bem preparado para governar o Brasil é o Lula”. E, expondo o elitismo idiota, estúpido – numa palavra, tucano – de alguns golpistas da mídia: “Lula é formado numa das melhores escolas do país, que é o Senai”.

Mas isso não o impediu de dizer, em 2005, que “é evidente que a política monetária está errada. Essa política não é austera do ponto de vista fiscal. Em 2003 gastamos R$ 145 bilhões com pagamento de juros. Em 2004, foram R$ 128 bilhões e, para esse ano, a previsão é de R$ 152 bilhões. A soma dos três anos equivale a mais de R$ 420 bilhões, ou mais de R$ 140 bilhões por ano. Isso, do ponto de vista nominal, é, no mínimo, o dobro do que poderia ser. Poderíamos ter economizado R$ 210 bilhões e estaríamos em outro mundo em matéria de saúde, educação. Não há nada de prioritário que não pudéssemos atender”.

Quem pode dizer que ele não estava certo?

No início da campanha pela reeleição de Lula, num jantar em São Bernardo do Campo, todos os que estávamos presentes ouvimos o presidente falar com admiração do seu vice, ressaltando o homem “que veio de baixo; vocês não sabem o que esse homem já passou na vida”.

Com efeito, Alencar foi um empreendedor que construiu uma grande empresa industrial – mas começou, aos 14 anos, como caixeiro em um armarinho no interior de Minas Gerais. Nessa época, contou uma vez, economizava com os amigos alguns trocados para ir ao Rio “ver o Flamengo jogar”. Ele foi a própria demonstração de um empresário brasileiro que edificou sua vida sempre pela produção, sempre tendo em vista que era possível lucrar e ser útil aos seus semelhantes, vale dizer, contribuir também para a riqueza do seu país.

Jamais passou por sua cabeça que seu êxito empresarial implicasse num afastamento do seu povo. Pelo contrário, disse, em 2003: “Esse negócio de empresário de sucesso não me dá nenhuma autoridade. Tenho muitos patrões. Tenho 175 milhões de patrões, devo satisfação a esses patrões”.

Ele sintetizava as melhores qualidades do empresariado brasileiro. Mas, além do tino extraordinário para os negócios industriais, ele também tinha uma sensibilidade aguçada para as políticas públicas, isto é, para as necessidades do conjunto da população. Assim, em 2004, ele observava: “O problema é que o Brasil é um país de subconsumo, e não se pode achatar o consumo de quem não consome”.

Nada mais estranho à sua personalidade do que essa miserável ideologia da contenção quase permanente do consumo de um povo que, realmente, consome muito pouco. Ele sabia que a economia é composta por seres humanos que necessitam comer, vestir-se e educar seus filhos. Daí o combate pelo qual ficou mais conhecido: “Nós não podemos sair da situação de pobreza absoluta pagando juros despropositados como esses. Não há dinheiro para nada. No primeiro semestre [de 2003], o que deveria ter ido para o crescimento foi para o pagamento de juros”.

Era também um homem de humor, isto é, um homem saudável, o que lhe permitiu travar sua última luta com uma tenacidade admirável.

Diante da campanha de alguns patifes da mídia – os mesmos que hoje o cumulam hipocritamente de elogios, iludidos de que, afinal, se livraram de um homem decente – ele disse, sorrindo: “Ironia do destino. Todo mundo fala que o Lula fez aliança comigo porque eu representava segurança e não risco, justamente para isso que se chama mercado. Hoje, dizem que eu sou o risco. Isso não é estranho?”.

Não, estranhos são esses percevejos, incapazes de conviver com a grandeza.
CARLOS LOPES

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