Querem sair do buraco sem parar de cavar
A medida vai agravar a desnacionalização que produz o déficit das contas externas
O governo suspendeu o Imposto sobre Operações Financeiras que os especuladores estrangeiros pagavam ao aplicarem em “renda fixa” (sobretudo, títulos do próprio governo). De 6%, agora esses especuladores pagarão zero de imposto. A atual equipe econômica, ao açular a desnacionalização da economia, conduziu a uma situação em que as contas externas do país estão penduradas no dinheiro especulativo, sobretudo de origem norte-americana.
Mantega zera IOF para estrangeiro especular com títulos do governo
Nem mesmo o “Investimento direto estrangeiro” é suficiente para cobrir o rombo nas contas externas
A retirada do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que era cobrado dos especuladores estrangeiros que aplicavam em títulos do governo – sobretudo a chamada “renda fixa” - tem um significado inequívoco: o país está, outra vez, dependente de dinheiro especulativo externo para fechar as suas contas. Nem mesmo o “investimento direto estrangeiro” - a venda em massa de empresas nacionais – é mais suficiente para cobrir o rombo. A política da atual equipe econômica conduziu a uma situação em que estamos pendurados no dinheiro especulativo, sobretudo de origem norte-americana.
Daí, num único dia, sem nenhuma gradação, o IOF sobre os dólares errantes passou de 6% para zero. Os especuladores estrangeiros ficaram isentos de impostos – e só os estrangeiros.
A ideia de que é possível aumentar indefinidamente o rombo nas contas externas, pois o mundo (isto é, os países centrais, pois é isso que entendem por mundo) existe para nos financiar, era uma das ideias de jerico favoritas do guru de Fernando Henrique, Gustavo Franco, com as devastadoras consequências que ainda são lembradas.
Não é surpreendente que em sua adesão tucana, sem freios depois que o presidente Lula saiu do Planalto, Mantega também tenha se apegado a essa pérola – bem característica da pusilanimidade e da subserviência, sempre bastante interessada, de certos elementos.
Assim, o déficit foi coberto, primeiro, com a venda do país – com a venda de suas empresas, ou seja, com o chamado “investimento direito estrangeiro” (IDE). Desde janeiro de 2011, o governo lançou mão de US$ 125,116 bilhões de IDE para cobrir o déficit nas contas externas. A partir de novembro do ano passado, a venda de empresas passou a ser insuficiente para tapar o rombo – desde aquele mês até abril último, além do IDE, lançou-se mão de US$ 18,918 bilhões de dinheiro meramente especulativo (“investimento estrangeiro em carteira” - dólares que foram trocados por reais para serem aplicados em papéis, títulos do governo, ações, derivativos, etc.).
Evidentemente, como disse um economista, o IDE eleva o piso das remessas de lucro para o exterior – quanto mais empresas são vendidas e desnacionalizadas, mais dinheiro é enviado para fora do país; filiais de multinacionais existem para enviar lucros para suas matrizes. Por outro lado, filiais de multinacionais são empresas essencialmente importadoras – elas importam os componentes para a montagem de produtos. Seria algo extraordinário se empresas que pertencem a uma cadeia de produção que está fora do país resolvessem desenvolver uma cadeia nacional de produção. Multinacionais são monopólios, não são manicômios. O que elas fazem, obviamente, é importar componentes para montagem – quando não importam o produto acabado – com um efeito desindustrializante sobre o país.
Obviamente que isso iria acabar estourando as contas externas e estagnando a economia – e não é à toa que alguns especuladores, diante dos problemas a que conduziu essa política de estímulo à desnacionalização e à desindustrialização, começam a trocar seus reais por dólares, preparando-se para pular do navio se houver alguma coisa mais grave.
Infelizmente, a solução do governo é atrair mais dólares com a suspensão do IOF sobre bancos, fundos e demais especuladores estrangeiros que aplicarem em títulos do governo. Em outras palavras, cobrir o rombo com a piora da situação das contas externas e do país – e sem mesmo ter coragem para admitir publicamente que o problema é esse e que a responsabilidade é sua.
A entrevista do ministro Mantega foi um mix da obtusidade dos entrevistadores com os arranjos de alhos e bugalhos do entrevistado. Assim, o problema teria sido uma declaração de Ben Bernanke, presidente do Fed, banco central dos EUA, de que estava pensando em fabricar menos dólares... Ressaltemos: Mantega disse, literalmente, que nada havia mudado na política monetária norte-americana, que continuava havendo “excesso de liquidez”, ou seja, que a enxurrada de dólares vadios continuava a mesma – e que a suspensão do IOF fora por uma declaraçãode Bernanke.
Apesar disso, não foi questionado. Onde será que a mídia reacionária vai buscar – e encontrar – gente tão tapada para empregar como repórter? Não deve ser fácil achar senhoritas e cavalheiros tão especializados em nada saber sobre nada. Quando a entrevista já havia terminado, Mantega, apressadamente, acabou por dizer o que é óbvio: o objetivo de suspender o IOF é aumentar a margem de ganho dos especuladores externos.
Assim, ele pretende que os dólares desses especuladores cubram o déficit externo. Alguns números talvez sejam esclarecedores. Vejamos o déficit de transações correntes – o rombo nas contas externas de curto prazo – nos primeiros quatro meses do ano (dados extraídos do Balanço de Pagamentos Mensal, publicado pelo Banco Central; em relação aos números apresentados na edição passada, extraídos da Balança Comercial divulgada pela SECEX, a diferença é que, nestes últimos, já estava incluído maio, resultado ainda não incorporado pelo BC):
2010: US$ -16,535 bilhões;
2011: US$ -18,381 bilhões;
2012: US$ -17,429 bilhões;
2013: US$ -33,176 bilhões.
Portanto, há um aumento no déficit de 90,35% em 2013 em relação a 2012; e de 100,64% em relação ao mesmo período de 2010.
Apenas por uma questão de espaço, não faremos séries semelhantes para as remessas totais ao exterior – que aumentaram 30,33% em 2013 em relação ao ano anterior e 42,30% em relação a 2010 – ou para as importações (que foram de US$ 52,228 bilhões em 2010 para US$ 77,619 bilhões em 2013), nem sobre o saldo comercial, que teve uma queda abissal nos primeiros quatro meses do ano – de US$ +3,300 bilhões em 2012 para US$ -6,151 bilhões em 2013.
Esta situação é inteiramente insustentável. O IBGE, que não usa os mesmos critérios do BC, registra essencialmente a mesma coisa nas Contas Nacionais Trimestrais. Apesar do período abordado pelo IBGE ser mais restrito (janeiro-março) que os abordados pela SECEX (janeiro-maio) e pelo BC (janeiro-abril), a conclusão é a seguinte:
“A Necessidade de Financiamento alcançou R$ 55,4 bilhões ante R$ 25,9 bilhões no mesmo período do ano anterior. O aumento da Necessidade é explicada, principalmente, pelo acréscimo de R$ 9,7 bilhões em Renda Líquida de Propriedade enviada ao Resto do Mundo e pela redução no montante de R$ 20,3 bilhões no Saldo Externo de Bens e Serviços” (IBGE, “Contas Nacionais Trimestrais - Indicadores de Volume e Valores Correntes Janeiro/Março 2013”, p. 20, grifo nosso).
Em resumo: a “necessidade de financiamento” - a necessidade de cobrir o rombo nas contas externas -, pelos cálculos (sempre em reais) do IBGE, aumentou 114,27% em um ano. E a solução do sr. Mantega é aumentar esse rombo, “atraindo” mais dinheiro estrangeiro.
CARLOS LOPES
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