O Código Florestal e a verdade sobre a questão das encostas
Aldo Rebelo*
O projeto de lei que altera o Código Florestal (PL 1876/99) não autoriza a ocupação das encostas.
O jornal Folha de S. Paulo, que insiste em noticiar o contrário, invoca o artigo 3, inciso IV, item “d” do projeto para afirmar que a proposta “permite habitação popular em encosta a partir de 45º de inclinação”.
Mais uma vez, o jornal erra.
É a Lei no. 11.977, de 7 de julho de 2009, que trata desse assunto. Essa lei também é conhecida como Lei do Minha Casa Minha Vida. Os jornalistas não leem, não pesquisam, não ouvem quem entende do assunto, portanto não sabem o que escrevem. Simplificam um tema complexo.
O projeto de lei do Código Florestal, no dispositivo citado, tem seguinte redação (grifo nosso):
“Art. 3 º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
IV - interesse social, para fins de intervenção em Área de Preservação Permanente:
d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei 11.977, de 7 de julho de 2009".
Não há como entender o que isso significa sem examinar a Lei no. 11.977/09, especialmente o que está no seu artigo 54 (grifo nosso):
“Art. 54. O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as áreas destinadas a uso público.
§ 1º O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.
§ 2º O estudo técnico referido no § 1º deverá ser elaborado por profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o projeto de regularização fundiária e conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I - caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;
II - especificação dos sistemas de saneamento básico;
III - proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de inundações;
IV - recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;
V - comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;
VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e
VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos d´água, quando for o caso.
Basta uma simples leitura para compreender que não é o projeto de lei do Código Florestal que permitiria ou não a regularização de tais áreas, valendo ressaltar, pela importância, o inciso IV, do §1º, da Lei 11.977/09, quando menciona as áreas “não passíveis de regularização”. A Lei do Minha Casa, Minha Vida, é necessário reconhecer, não é a Lei da Casa da Mãe Joana.
Cabe agora a pergunta: como o projeto de alteração do Código Florestal se relaciona com as encostas? Respondo: proibindo ainda mais a sua ocupação.
Curiosamente, os jornalistas se esqueceram de ler outro dispositivo do projeto de alteração do Código Florestal, o §3º do artigo 4º que diz (grifo nosso):
Curiosamente, os jornalistas se esqueceram de ler outro dispositivo do projeto de alteração do Código Florestal, o §3º do artigo 4º que diz (grifo nosso):
“Art. 4º (...)
§ 3º No caso de áreas urbanas consolidadas nos termos da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, alterações nos limites das Áreas de Preservação Permanentes deverão estar previstas nos planos diretores ou nas leis municipais de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”.
O art. 54, §§1º e 2º da Lei 11.977/09, vinculava a adequação de ocupação urbana em Área de Preservação Permanente apenas a um estudo técnico.
Já o projeto de alteração do Código Florestal (art.4º § 3) vai além dos requisitos exigidos pela Lei do Minha Casa, Minha Vida:
a) exige que os estudos técnicos sejam incorporados aos planos diretores ou leis municipais de zoneamento;
b) com a exigência acima, reforça a aplicação do artigo 3º e parágrafo único da Lei 6766/79 (áreas alagadiças, insalubres, > 30% de declividade e as protegidas por leis ambientais específicas etc.), pois tais áreas necessariamente serão levantadas pelos estudos técnicos;
c) afirma que em hipótese alguma, mesmo sendo possível a regularização dessas áreas pela Lei 11.977/09, não poderão elas ocuparem espaços em desacordo com o artigo 4º do projeto de lei.
A superficial cobertura do tema também impediu os jornalistas de lerem o artigo 8° do projeto de lei, em especial seu §1º, que coloca travas procedimentais ao art. 54 da Lei 11.977/09 (grifo nosso):
“Art. 8º A supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente poderá ser autorizada pelo órgão competente do Sisnama em caso de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio.
§ 1º A autorização de que trata o caput somente poderá ser emitida quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
§ 2º O órgão ambiental competente condicionará a autorização de que trata o caput à adoção, pelo empreendedor, das medidas mitigadoras e compensatórias por ele indicadas.
Diante dos textos jurídicos que desmascaram as informações veiculadas pelo jornal, nota-se a qualidade do jornalismo de fancaria praticado por profissionais instruídos por consultores ignorantes e organizações não governamentais interesseiras. Esse jornalismo perdeu completamente os limites da decência.
O jornalismo de facção desconhece a realidade complexa, e muitas vezes contraditória, em que está mergulhada a vida de milhões de brasileiros, no campo e na cidade, que tentam de maneira decente compatibilizar a preservação do meio ambiente com a sua própria sobrevivência.
*Deputado Federal e membro do Comitê Central do PCdoB, é o relator do projeto de Lei do novo Código Florestal Brasileiro.
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